O filósofo tradicional faz teorias sobre as frases condicionais do seguinte modo: primeiro, considera alguns exemplos de frases condicionais; em seguida, tem um insight sobre algum princípio geral capaz de revelar algo sistemático subjacente a esses exemplos; por fim, procura reformular ou defender esse princípio diante das frases que parecem escapar ou contradizer a sua explicação. Essa é a posição adotada por autores como Frank Jackson, Ernest Adams e Robert Stalnaker. Uma metodologia menos ortodoxa consiste em partir de indícios sintáticos fornecidos pela lingüística e formular uma explicação semântica que seja capaz de fazer justiça às relações sintáticas entre as condicionais e outros termos da linguagem natural. Essa é a posição de autores como Vic Dudman, Kai von Fintel e Angelika Kratzer. É também a posição do próprio William Lycan que neste livro nos oferece uma teoria imensamente sofisticada. O livro tem oito capítulos, seguidos de um apêndice, um posfácio e um excelente índice remissivo.
O capítulo 1 lida com o problema de identificar e classificar as frases condicionais. Os filósofos tradicionais concentraram a sua atenção em condicionais que contêm “se” como “O vaso irá quebrar se você largá-lo” e “Se o Gregory chegou atrasado, terá de se explicar para a namorada”, ignorando frases condicionais que contêm termos como “a não ser que”, como “A não ser que faça sol, o jogo será cancelado” e construções adverbiais mais complexas que também são condicionais como “Eu sairei no caso de Fernanda sair”, “Eu sairei somente no caso de Fernanda sair” e “Eu sairei em qualquer circunstância em que a Fernanda saia”. Os principais objetivos de Lycan consistem em demonstrar duas teses. A primeira é que as condicionais contendo “se” partilham as propriedades semânticas das outras frases mencionadas acima que não contêm “se”. A segunda é que uma vez reconhecidas essas similaridades é possível explicar muitos dados que as teorias rivais não explicam e assim corrigir alguns erros.
Uma oração é uma condicional quando “se” (ou “a não ser que”) é a antecedente e a conseqüente tem o aspecto apropriado. Ao invés de frase condicional, falamos de oração condicional, pois uma frase pode conter uma oração condicional sem ser ela mesma uma frase condicional: “Eu odeio isso e se você o fizer de novo direi ao Gilberto o que você falou sobre o bigode dele”. A menção ao aspecto apropriado da conseqüente é necessária para descartar frases que contêm “se” que são na realidade generalizações universais como “Se eu escutar alguém cantar “Ai, se eu te pego” outra vez, irei pegar o meu 38”. Uma oração também pode ser considerada uma condicional se for sinônima de uma frase condicional que contenha “se” ou “a não ser que”. A partir desse último critério podemos classificar como condicional uma frase do gênero “Eu sairei somente no caso de Fernanda sair”.
Gramaticalmente falando, uma condicional é uma conjunção: uma palavra invariável que liga duas orações ou dois termos semelhantes de uma mesma oração. Resta saber se ela é uma conjunção coordenativa ou subordinativa. Uma conjunção é subordinativa quando liga duas orações, sendo que uma delas, a oração subordinada, depende da outra, que é a oração principal. A frase “Ele não fez a pesquisa porque não dispunha de meios” é um exemplo em que a conjunção subordinativa “porque” liga a oração subordinada “não dispunha de meios” à oração principal “Ele não fez a pesquisa”. Uma conjunção é coordenativa quando liga orações que têm sentido independente ou termos da oração que têm a mesma função gramatical. No exemplo “A lua surgiu e as estrelas inundaram o céu de luz”, “e” é uma conjunção coordenativa que liga duas orações com sentido independente.
Lycan argumenta que condicionais não podem ser conjunções coordenativas, pois não permitem a aplicação de alguns princípios que funcionam corretamente em conjunções coordenativas. Um deles é a elisão que se aplica nas conjunções quando os constituintes de uma conjunta direita podem ser elididos se uma conjunta esquerda contém uma cópia dos mesmos: a conjunção “A Fernanda limpou as cortinas e eu limpei as janelas” tem o mesmo sentido de “A Fernanda limpou as cortinas e eu as janelas”. Não podemos elidir da mesma maneira nas condicionais: a frase “Se a Fernanda limpou as cortinas, eu limpei as janelas” não tem o mesmo sentido de “Se a Fernanda limpou as cortinas, eu as janelas”.
Desse modo, parece que as condicionais são conjunções subordinativas. O problema é que também há indícios de que elas não são conjunções subordinativas ou pelo menos não são conjunções subordinativas comuns como “porque”. Um exemplo disso é que se uma condicional fosse uma oração subordinativa, deveria ter propriedades similares a outras orações subordinativas como “a não ser que”. Porém, são diferentes: “se” pode ser modificada por “somente”, “mesmo”, e (em algumas línguas) “exceto”, mas “a não ser que” não pode receber modificações desse gênero. Compare-se, por exemplo, a condicional “Você ganhará na loto somente se tiver sorte” com a frase agramatical “Você ganhará na loto somente a não ser que tiver sorte”. Repare-se que é possível objetar a Lycan insistindo que “a não ser que” pode ser modificada por “somente” da seguinte maneira: a frase “Você perderá no loto, a não ser que tenha sorte” dá origem a “Você somente perderá no loto, a não ser que tenha sorte”.
Lycan adota a explicação de Mike Geis de que os indícios mencionados sugerem que as orações condicionais são conjunções subordinativas adverbiais. Uma conjunção subordinativa adverbial condicional introduz uma oração que indica a hipótese ou a condição para ocorrência da oração principal. Um exemplo dessa conjunção é o “se” na frase “Se precisar de minha ajuda, telefone-me”. Lycan argumenta que uma oração condicional “se” é similar a orações “quando” e “onde”. A frase 1) “Quando a Fernanda sair, então eu sairei” é parafraseada naturalmente por 1*) “Quando a Fernanda sair, eu sairei no mesmo momento” e a frase 2) “Onde a Fernanda morar, lá eu morarei” é parafraseada naturalmente por 2*) “Onde a Fernanda morar, eu morarei nesse mesmo lugar”. Em 1* e 2* “quando” e “onde” são orações relativas que fazem uma referência tácita a tempos e locais. Assim, “Quando a Fernanda sair” e “Onde a Fernanda morar” parecem equivalentes a “No momento em que a Fernanda sair” e “No local em que a Fernanda morar”. “Se” funciona de modo similar. A condicional 3) “Se a Fernanda sair, então eu sairei” é parafraseada naturalmente por 3*) “Se a Fernanda sair, eu sairei nesse mesmo evento”. Em 3* o “se” faz uma referência tácita a eventos. Assim, “Se a Fernanda sair” parece semanticamente equivalente a “No evento em que a Fernanda sair”.
O capítulo termina com uma discussão sobre orações “a não ser que”. Tradicionalmente, manuais de lógica têm afirmado que “a não ser que” funciona como uma contraparte negativa de “se”, sendo equivalente a “se não”. Os estudantes de lógica aprendem a traduzir frases como “Não há pensamento, a não ser que haja matéria” por “Se não há matéria, não há pensamento”. Contudo, há indícios sintáticos de que esse princípio é incorreto. Um exemplo são as expressões que podem ocorrer em orações “a não ser que”, mas não podem ocorrer em orações “se não”. Por exemplo, a expressão “nem um pouco” é aplicada corretamente na frase “Se você não se importa nem um pouco com o João, não deveria se casar com ele”, mas não pode ser aplicada corretamente na frase “Você não deveria se casar com o João a não ser que se importe nem um pouco com ele”.
A oração “a não ser que” pode ser explicada de modo similar a “se”, “quando” e “onde”. A frase “Eu sairei a não ser que Tábita saia” parece equivalente a “Eu sairei a não ser que Tábita saia nesse evento também”. O que indica que “a não ser que” refere de modo tácito eventos, como ocorre também com “se”. Do mesmo modo, uma frase contendo “somente se”, como “Haverá discussão filosófica somente se ambas as partes utilizarem lógica para avaliar os argumentos”, parece equivalente a “Haverá discussão filosófica somente no evento de ambas as partes utilizarem lógica para avaliar os argumentos”. E uma frase contendo “mesmo se” como “Haverá discussão filosófica mesmo se ambas as partes utilizarem lógica para avaliar os argumentos” parece equivalente a “Haverá discussão filosófica mesmo no evento de ambas as partes utilizarem lógica para avaliar os argumentos”.
O capítulo 2 fornece uma semântica de condicionais, isto é, oferece uma explicação sistemática das condições de verdade de frases contendo as expressões “se”, “somente se”, “mesmo se” e “a não ser que”. Os indícios sintáticos apresentados no capítulo anterior sugerem que essas expressões são operadores que formam uma oração adverbial que tacitamente refere eventos e contém um quantificador universal. A forma lógica desses operadores é a seguinte:
Devemos interpretar “e” e “f” como abrangendo eventos; “Em(e, P)” lê-se “No evento em que P”, sendo que um evento é um caso, circunstância ou situação. O quantificador “(e∈R)” lê-se “Para qualquer evento que está contido na classe de referência R”. A classe de referência restringe quais são os eventos sob o âmbito do quantificador universal. São duas as restrições:
A Exigência de Relevância Fraca
R deve conter ao menos um evento no qual a própria antecedente da condicional é verdadeira. [Intuitivamente, porque asserir ou ouvir a antecedente nos força a conceber um estado de coisas em que ela ocorre, por mais estranha que seja.]
A Exigência de Realidade
Todos os eventos relevantes atuais são membros de R, imaginados ou não. [Pois aparentemente o valor de verdade de uma condicional não pode depender do estado epistêmico do falante.]
Desse modo, afirmar que uma condicional “Se P, Q” é verdadeira é afirmar que em qualquer evento relevante que é uma possibilidade real relativamente à ocasião em que P ocorre, Q também ocorre. Assim, os quantificadores universais das condicionais restringem-se à classe de referência dos eventos que são possibilidades reais e relevantes no contexto. Essas restrições se aplicam a diferentes classes de condicionais, mas variam com o contexto.
Essa semântica prevê a dissolução de alguns dos paradoxos da condicional material e formas argumentativas como o fortalecimento da antecedente e a transitividade. Observe-se, contudo, que ao contrário de semânticas como a de Stalnaker que também invalidam essas formas argumentativas, a semântica de Lycan valida a contraposição. A sua justificação é de que todos os contra-exemplos a essa forma argumentativa utilizam como premissas expressões com a forma proposicional “Mesmo se P, Q”, que são diferentes de condicionais robustas com a forma proposicional “Se P, então Q”. A semântica de eventos também prevê que a equivalência entre “Se P, então Q” e “P somente se Q”, que é tão comum nos manuais de lógica, está errada. O capítulo termina com uma discussão sobre a validade da simplificação de antecedentes disjuntivas e o uso não trivial de condicionais com antecedentes impossíveis.
O capítulo 3 apresenta um caso contra o modus ponens. Suponha-se que eu esteja participando de uma convenção de radicais de esquerda, porque um amigo me pediu para ir. Tenho menos simpatia pela esquerda do que pela direita, mas não me importo de ir apenas para ver como é a convenção. Alguém levanta a suspeita de que a convenção foi infiltrada pela CIA. Eu rejeito essa suspeita, mas digo para mim mesmo “Se houvesse um agente da CIA aqui, eu estaria em apuros”, já que reconheço justificadamente que o meu nome ficaria na lista de radicais perigosos elaborada pelo governo. Porém, ignoro que na realidade há um agente da CIA presente que sabe das minhas inclinações políticas e assim não me trará problemas. Por isso, poderíamos dizer que a condicional é falsa apesar de ser razoável, pois mesmo que um agente da CIA esteja na convenção eu não estarei em apuros.
A teoria de Lycan aborda esse exemplo da seguinte maneira: “Se houvesse um agente da CIA aqui, eu estaria em apuros” é verdadeira se em todo evento no qual há um agente da CIA que é uma possibilidade real e relevante é um evento em que estou em apuros. Como a teoria aceita a exigência da realidade, incluímos todos os eventos relevantes atuais, concebidos ou não pelo falante. Conseqüentemente, a condicional será falsa, pois há um agente da CIA presente e não estou em apuros em qualquer evento em que ele está presente. Mas se suspendermos essa exigência, a teoria de Lycan se torna uma espécie de Teste de Ramsey para a determinação de valores de verdade das condicionais, e o modus ponens é refutado: a condicional “Se houvesse um agente da CIA aqui, eu estaria em apuros” será verdadeira, mesmo que a sua antecedente seja verdadeira e a sua conseqüente seja falsa.
A posição de Lycan é de que a exigência de realidade deve ser vista como um interruptor que pode ser ligado ou desligado em alguns contextos. Isso significa que temos que conviver com o fato de que em certos contextos a exigência é desligada e o modus ponens é inválido. Para muitos, o fato de o abandono da exigência da realidade levar à invalidade do modus ponens será razão mais do que suficiente para mantê-lo. Lycan pensa que essa posição é dogmática, pois há outros contra-exemplos ao modus ponens que são mais intuitivos e também estão associados ao desligamento da exigência de realidade. Considere-se a seguinte seqüência de condicionais:
Supondo que a Åsa e o Daniel vieram ambos para a festa, posso concluir por modus ponens a partir de 2 que a festa será péssima. Repare-se, contudo, que sob a mesma suposição de que a Åsa e o Daniel vieram para a festa posso concluir por eliminação da conjunção que a Åsa veio para a festa. A partir desta conclusão e de 1 posso concluir por modus ponens que a festa será ótima. Desse modo, sob a suposição de que a Åsa e o Daniel vieram para a festa mais a aplicação do modus ponens a 1 e 2, posso chegar a uma contradição: a festa será ótima e péssima. Porém, aparentemente 1 e 2 são compossíveis com a suposição de que a Åsa e o Daniel vieram ambos para a festa e assim o modus ponens deve ser inválido. Este contra-exemplo é denominado seqüências Sobel.
Novamente, se a exigência de realidade estiver desligada, ambas as condicionais serão verdadeiras na teoria de Lycan, pois ao asserir 1 não considero um evento em que Daniel vem à festa, ao passo que ao asserir 2 não posso deixar de considerar tal evento. Como a classe de referência muda de 1 para 2, intuitivamente as duas condicionais podem ser simultaneamente verdadeiras. Conseqüentemente, o modus ponens não é válido.
Há muitas maneiras de tentar desarmar o contra-exemplo, sendo a mais natural delas argumentar que dadas as suposições comuns do contexto de asserção, não é possível aceitar 2 e 1 simultaneamente. O falante somente irá asserir 1 sob a suposição de que o Daniel não irá comparecer à festa. Ao descobrir que essa suposição é falsa, ele irá abandonar 1. Assim, não chegaremos à situação desconfortável de inferir uma contradição, pois as duas condicionais não podem ser aceitas simultaneamente.
O problema deste gênero de resposta é que se for bem-sucedida também tornará bem-sucedida uma velha estratégia de desarmar os contra-exemplos à condicional material. Considere-se um contra-exemplo a uma forma argumentativa como o fortalecimento da antecedente: “Se você riscar o fósforo, ele irá acender. Logo, se você mergulhar o fósforo na água e riscá-lo, ele irá acender”. A premissa parece verdadeira e a conclusão é obviamente falsa. Contudo, um defensor da condicional material pode argumentar que o falante apenas irá aceitar a premissa se certas suposições do contexto de asserção forem satisfeitas. A aceitação da premissa envolve a suposição de que o fósforo está seco, mas a aceitação da conclusão envolve a negação dessa suposição. Por isso, não há contra-exemplo aqui: ao descobrir a falsidade da conclusão o falante imediatamente abandonará a premissa como falsa. Desse modo, o defensor do modus ponens enfrenta um dilema: como o contra-exemplo ao modus ponens é pelo menos tão forte quanto o contra-exemplo ao fortalecimento da antecedente, não é possível aceitar o modus ponens sem aceitar simultaneamente a condicional material.
O capítulo 4 apresenta e critica a tese de que as condicionais indicativas não têm valores de verdade (a tese recebe a sigla SVV: sem valor de verdade). Lycan faz algumas observações preliminares importantes. Observa ele que mesmo um crítico de SVV pode aceitar que algumas condicionais não têm valores de verdade. Por exemplo, se aceitarmos que os juízos morais não têm valores de verdade, então uma condicional que tenha um juízo moral na conseqüente não terá valores de verdade. É o caso de “Se o João atirou o pau no gato, isso foi moralmente errado”. Além disso, também é preciso conceder que mesmo um defensor de SVV pode aceitar que condicionais não-contingentes têm valores de verdade. Por exemplo, qualquer teoria de condicionais deve aceitar que uma condicional como “Se esta figura é um quadrado, então tem quatro lados” é sempre verdadeira e uma condicional como “Se ele é solteiro, então é casado” é sempre falsa.
Lycan procede então com um dilúvio de objeções à SVV. É estranho pensar que uma condicional possa ter praticamente as mesmas propriedades de uma frase que tenha valores de verdade (por exemplo, uma condicional pode ser asserível ou provável), mas não tenha valores de verdade. Também é estranha a idéia de que podemos falar da probabilidade de uma condicional sem valores de verdade, pois usualmente a probabilidade é entendida como probabilidade de verdade. A admissão de que apenas as condicionais necessárias têm valores de verdade também é idiossincrática, pois aparentemente as condicionais necessárias não são tão diferentes das condicionais contingentes.
Lycan em seguida considera as relações da teoria SVV proposta por Adams com a hipótese de que as condicionais indicativas têm condições de verdade equivalentes às da condicional material — posição conhecida como tese da equivalência. Mais especificamente, Lycan observa as relações da tese da equivalência com a tese de que a aceitabilidade de uma condicional indicativa “Se P, então Q” é medida pela probabilidade de Q dado P — conhecida como tese de Adams. Ele apresenta críticas às tentativas de utilizar a tese Adams nas defesas da equivalência propostas por Lewis e Jackson, à própria tese de Adams e à importância excessiva atribuída à probabilidade na discussão sobre as condicionais.
As críticas às posições de Lewis e Jackson, assim como as críticas às defesas da equivalência de um modo geral, são apresentadas de maneira apressada, quase caricatural. Um exemplo é a avaliação de um argumento de Gibbard em defesa da equivalência que parte das seguintes suposições:
4) P → (Q → R) ≡ (P ∧ Q) → R é uma tautologia.
5) P → Q ⊢ P ⊃ Q.
6) Se P acarreta Q, então P → Q é necessariamente verdadeira.
Sendo “P → Q” uma dada condicional indicativa. Se considerarmos a forma proposicional G) “(P ⊃ Q) → (P → Q)”, a partir de 4 ela é equivalente a ((P ⊃ Q) ∧ P) → Q). A partir de 5, G é necessariamente verdadeira, pois ((P ⊃ Q) ∧ P) ⊢ Q). De 4, G acarreta G*) (P ⊃ Q) ⊃ (P → Q), e assim G* deve ser necessariamente verdadeira. Afirmar que G* é necessariamente verdadeira é equivalente a afirmar que se P → Q é equivalente a P ⊃ Q.
4 é um princípio intuitivo, mas Lycan pensa que temos boas razões para negá-lo. Argumenta que se aceitarmos 4, uma forma paradoxal como P → (Q → P) será uma verdade lógica, pois (P ∧ Q) → P é uma verdade lógica (p. 82). Por outras palavras, o princípio intuitivo não deve ser aceito, pois nos forçará a aceitar a tese da equivalência e a tese da equivalência não deve ser aceita, pois não é intuitiva. Tenho de admitir a contragosto que esta objeção sofre da síndrome da superfilosofia: se a aceitarmos, qualquer indício que reforçar qualquer teoria que Lycan considerar contra-intuitiva deve ser descartado automaticamente.
Os capítulos 5 e 6 discutem as chamadas frases “mesmo se” — expressões como “Mesmo se chover, o Lucas irá para a casa da Marília” e “Mesmo se eu estiver jantando, a Fernanda irá me ligar”. O termo “mesmo” transmite uma conotação relacionada com pressuposições contextuais e eventos contradizendo essas pressuposições. Isso fica evidente se considerarmos frases como “Até mesmo a vovó estava sóbria na festa”. Há pelo menos três maneiras de analisar o termo “mesmo”. Numa delas, chamada tese mínima, defende-se que o termo “mesmo” não afeta as condições de verdade da frase em que ocorre e serve somente para expressar uma atitude de surpresa da parte do falante. Outra tese é a de que embora “mesmo” não afete as condições de verdade da frase em que ocorre, o seu uso transmite uma implicatura convencional de que algo inesperado é pressuposto. Lycan adota uma terceira hipótese, a tese semântica, que propõe que “mesmo” afeta as condições de verdade da frase em que ocorre. Mais especificamente, defende que “mesmo” expressa uma comparação de expectabilidade com uma classe de referência contextualmente indicada.
A sua teoria de eventos explica o significado de “mesmo se” como o resultado da combinação dos significados de “mesmo” e “se”. Recorde-se que as frases “Q mesmo se P” são interpretadas como afirmações de que em qualquer evento relevante que é uma possibilidade real, incluindo qualquer evento em que P ocorre, Q ocorre. Nesta explicação, “mesmo” é considerado um quantificador universal. Uma dificuldade desta teoria são os casos em que “mesmo” não se comporta como um quantificador universal e admite exceções.
Uma saída é enfraquecer a proposta original e interpretar “Q mesmo se P” como uma afirmação de que em muitos eventos relevantes que são possibilidades reais, incluindo qualquer evento em que P ocorre, Q ocorre. O problema dessa saída é que ainda temos a intuição de que as paráfrases originais com quantificadores universais funcionam, ao passo que as paráfrases com “muito” não admitem a mesma interpretação.
Uma terceira proposta é interpretar “Q mesmo se P” como a afirmação de que em qualquer evento relevante que seja uma possibilidade real, mais qualquer evento em que P ocorre, Q ocorre. Um dos problemas desta explicação é que expressões “mesmo se” deixam de ser parafraseadas de maneira similar às expressões “somente se”, o que era uma vantagem da semântica de eventos. Lycan conclui o capítulo admitindo humildemente que nenhuma das suas três teorias é satisfatória.
O capítulo 7 trata da distinção entre condicionais indicativas e condicionais subjuntivas. As condicionais indicativas e suas correspondentes subjuntivas parecem semelhantes, mas alguns exemplos demonstram que uma condicional indicativa não pode ser logicamente equivalente à sua correspondente subjuntiva. Lycan propõe que uma condicional indicativa e a sua correspondente condicional subjuntiva têm a mesma forma lógica, mas envolvem suposições factuais diferentes e por isso diferem em condições de verdade. Considere o seguinte exemplo. Nas eleições de 1980 pela presidência dos Estados Unidos, o republicano Ronald Reagan e o democrata Jimmy Carter disputaram as primeiras posições, com o republicano John Anderson na terceira posição. Supondo que eu não tenho conhecimento de quem venceu as eleições e sabendo apenas que Carter não venceu as eleições, eu aceito como verdadeira a condicional indicativa “Se Reagan não venceu, Anderson venceu”. Por outro lado, sem saber que Carter não venceu as eleições, eu não tenho qualquer razão para aceitar a condicional subjuntiva “Se Reagan não tivesse vencido, Anderson venceria”.
O que acontece é que ao asserir a indicativa, o falante supõe o fato contextualmente saliente de que Carter não venceu as eleições, mas a subjuntiva parece falsa, pois ao asseri-la o falante não supõe que Carter perdeu as eleições. Conseqüentemente, falantes que asserem as duas condicionais têm em mente eventos relevantes diferentes devido à suposição de um fato que é saliente no contexto de asserção: para o falante que assere a condicional indicativa todo evento real e relevante é um evento em que Carter perdeu as eleições, mas para o falante que assere a condicional subjuntiva há eventos reais e relevantes em que Carter venceu as eleições. Assim, uma condicional é indicativa quando a classe de referência inclui o fato contextualmente saliente, ao passo que uma condicional é subjuntiva quando a classe de referência pode prescindir desse fato contextualmente saliente.
Pode-se objetar que Lycan adota a mesma explicação para outros pares de condicionais indicativas e subjuntivas sem o mesmo sucesso. Por exemplo, considere-se a condicional indicativa “Se Oswald não assassinou Kennedy, alguém mais o assassinou” e a sua correspondente subjuntiva “Se Oswald não tivesse assassinado Kennedy, alguém mais o assassinaria”. Lycan explica que ao asserir a indicativa, o falante supõe o fato contextualmente saliente de que Kennedy foi assassinado, mas a subjuntiva parece falsa para quem não aceitar uma teoria da conspiração, pois ao asseri-la o falante não supõe que o assassinato aconteceu. Essa explicação não funciona muito bem, pois o falante que assere a condicional subjuntiva aparentemente também supõe o fato saliente em questão, a saber, que Kennedy foi assassinado. Parece estranho que um falante assira condicionais que comecem com “Se não tivesse acontecido X” sem pressupor que X tenha sido o caso.
O capítulo 8 examina o experimento mental do barco proposto por Allan Gibbard. Suponha que duas pessoas estejam jogando pôquer a bordo de um barco no rio Mississipi: Sly Pete e Thomas Stone. Sly Pete não tem escrúpulos e tem um companheiro de crime, Zack, que vê as ótimas cartas de Stone e sinaliza essa informação a Pete. Outro criminoso presente no salão de jogos é Jack, que anda em torno da mesa e vê tanto as cartas de Pete como as de Stone. Stone, suspeitando de alguma coisa, exige que todas as outras pessoas saiam do salão. Depois disso eu recebo duas notas. Numa delas, escrita por Zack, está escrito “Se Pete mostrou as suas cartas, venceu”. Esta condicional parece verdadeira para Zack, pois ele sabe que Pete é um jogador esperto e está ciente das cartas de Stone. Isto quer dizer que ele não iria mostrar as suas cartas a não ser que estivesse certo de que venceria o jogo. A outra nota, escrita por Jack, diz “Se Pete mostrou as suas cartas, perdeu”. Esta condicional parece verdadeira para Jack, que viu as cartas de ambos os jogadores e sabe que as cartas de Stone são melhores.
Gibbard utiliza esse experimento mental para defender que as condicionais indicativas apenas podem ser consideradas aceitáveis ou não relativamente à situação epistêmica dos falantes, mas não podem ser verdadeiras ou falsas. A intuição da maioria dos filósofos é que a condicional de Zack é aceitável dada a sua perspectiva das coisas, mas é falsa se considerarmos a informação de Jack. Lycan explica por meio da sua teoria como ambas as condicionais parecem verdadeiras a Zack e Jack: a classe de referência dos eventos é sensível às considerações epistêmicas.
O livro termina com um apêndice e um posfácio. O primeiro foi escrito em parceira com Michael Geis e apresenta uma lista com todas as exigências sintáticas, semânticas e pragmáticas que uma condicional genuína deve satisfazer. Isto é importante se considerarmos que há várias expressões com “se” que parecem condicionais e não são realmente condicionais, pois não expressam um relacionamento condicional entre a antecedente e a conseqüente. Há expressões em que a antecedente não é realmente uma condição para a conseqüente (condicionais de biscoito, condicionais não-declarativas, asserções qualificadas, concessivas factivas), expressões em que a antecedente é pressuposta como falsa (negações qualificadas), expressões em que a antecedente é pressuposta como verdadeira e a conseqüente contém um pronome que é co-referencial com a antecedente (concessivas pseudofactivas) e expressões que não podem ser contrapostas e que têm o seu significado alterado ao se adicionar “então” (condicionais fracas).
Se essas expressões não são condicionais genuínas é preciso explicar qual é a função do “se” da antecedente. A explicação oferecida é a seguinte: a conseqüente de uma pseudocondicional é utilizada sozinha para realizar o ato de fala principal, ao passo que a antecedente ou seleciona e articula alguma condição ilocutória ou de felicidade lingüística sobre a performance do ato de fala principal, ou auxilia a reparar ou mitigar uma ameaça da face, associada ao ato de fala principal. A “face” aqui em causa diz respeito à reputação lingüística e social do falante. Há atos de fala que podem fazer alguém perder a face; uma maneira de o evitar são as táticas de cortesia do cotidiano. Na frase “Se eu puder recordar-lhe, estou trabalhando aqui há dezessete anos”, o ato de lembrar o ouvinte ameaça fazê-lo perder a face, e o falante parece tentar mitigar essa ameaça com cortesia.
Esta explicação ainda tem algumas deficiências: por que “se” ocorre nessas expressões? Se tais expressões não são condicionais genuínas, por que algumas parecem mais genuínas do que outras? No posfácio, Lycan tenta eliminar essas dificuldades defendendo que as pseudocondicionais são condicionais, afinal de contas. A antecedente de uma “pseudocondicional” não é uma condição da conseqüente, sendo na realidade uma asserção metalingüística: a antecedente faz referência explícita ou tácita à elocução do falante da conseqüência.
Lycan considera inúmeros aspectos sintáticos das condicionais que são freqüentemente ignorados pelos lógicos e filósofos tradicionais, mas nada indica que essa abordagem metodológica mais próxima da lingüística represente um avanço teórico comparativo capaz de justificar a sua semântica. A idéia de que as condicionais referem tacitamente eventos surge da naturalidade de parafrasear condicionais como “Se o assaltante correr, a polícia irá atirar” com expressões como “No evento em que o assaltante correr, a polícia irá atirar”. A capacidade de explicar esse fato sintático seria um indício favorável à teoria de Lycan. Mas esse indício é fraco, pois podemos parafrasear naturalmente a mesma condicional por expressões que não fazem referência a eventos como “Supondo que o assaltante irá correr, a polícia irá atirar” ou “Não é o caso que o falante irá correr e a polícia não irá atirar”. Ainda que aceitássemos a paráfrase, a idéia de que a menção implícita a eventos (“No evento em que”) deve ser interpretada como uma quantificação sobre eventos (“Em qualquer evento em que”) parece descabida: não é razoável formalizar tais frases condicionais simples como condicionais materiais quantificadas. As minhas críticas, portanto, podem ser resumidas na idéia de que há algumas razões para ficar com um pé atrás diante da idéia de que os dados sintáticos favorecem a teoria de Lycan.
Não poderia deixar de mencionar pelo menos uma das inúmeras outras críticas que foram propostas ao livro. Uma delas é de que Lycan tem dificuldades de explicar com clareza como a classe de referência é determinada pelo estado epistêmico do falante e pelo contexto. A classe de referência de eventos possíveis exclui “possibilidades que não teriam ocorrido ao utente” (p.19). O problema é que com essa restrição não podemos admitir e excluir os casos apropriados. Suponha que alguém diga “Se o avião não atrasar, chegarei a Porto Alegre a tempo para a matrícula”. Esta condicional será falsa se a classe de referência dos eventos possíveis incluir a possibilidade de queda do avião. No entanto, é difícil imaginar que alguém entre no avião sem considerar a sua queda uma possibilidade real.
Enfim, o livro exige um domínio razoável da bibliografia e não é uma obra para iniciantes. Na realidade, mesmo quem já está familiarizado com o assunto pode considerar a leitura difícil e exageradamente densa. Discordo da teoria proposta por Lycan e da sua ênfase metodológica nos dados sintáticos, mas isso não significa que não recomende o livro como uma referência obrigatória para qualquer leitor interessado na tortuosa e enigmática discussão das condicionais.
Matheus Martins Silva