O relativismo moral fundamenta-se na ideia de que os valores morais variam muito de povo para povo e de cultura para cultura. Este é chamado o relativismo descritivo. Mas podemos perguntar: Haverá realmente desacordo real entre os valores morais? Isto é, será que os nossos desacordos são tão profundos quando afirmam os relativistas, ou será que diferentes valores morais surgem de diferentes crenças factuais acerca do mundo?
Os primeiros exploradores europeus descobriram que alguns grupos de esquimós (os Enuit) deixavam, por vezes, os seus velhos e doentes a morrer no frio. Este facto entrou em choque com a atitude europeia, supostamente, de respeito e de assistência para com os velhos.
Mas outros factos foram descobertos. O primeiro foi que estes grupos, durante o Inverno, viviam entre a sobrevivência e a fome e que, na Primavera, tinham que se mover rapidamente para encontrar comida. Muitas das pessoas velhas simplesmente não conseguiam acompanhar o passo. Deixá-las para trás era uma questão de sobrevivência social — uma escolha que nós, nas mesmas circunstâncias, se calhar também teríamos que tomar.
Outra descoberta foi que os Esquimós acreditavam na vida depois da morte, e acreditam que as pessoas entram na próxima vida nas mesmas condições em que deixam esta. Assim, permitir, ou mesmo encorajar, os velhos a morrer depois de perderem a utilidade social não é evidência de crueldade ou de desrespeito para com a vida. Se partilhássemos as crenças dos esquimós, então presumivelmente faríamos o mesmo.
Aquilo que parecia um desacordo acerca dos valores morais tornou-se num desacordo acerca de factos. Podemos perguntar até que ponto outros alegados desacordos são reais. Será que somos assim tão diferentes? Será o relativismo descritivo verdadeiro? Aponta alguns desacordos morais actuais que possam, depois de examinados, ser resolvidos da mesma forma que o caso dos esquimós? Haverá algum que não possa ser resolvido?
Sem dúvida que existe desacordo acerca dos valores morais. Mas o que prova isto exactamente? Será o desacordo a última palavra? Podemos muito bem tomar os desacordos como pontos de partida — algo que nos faz pensar e aprender — e não como pontos de chegada. O facto de algumas pessoas serem racistas não prova que o racismo é errado apenas para nós. Prova simplesmente que as pessoas têm alguma coisa a aprender.
Podes perguntar: depois de tanto pensar e aprender, será que o desacordo moral continuaria a existir? Será evidente que continuaríamos a discordar sobre questões fundamentais? Se sim, como resolver estas questões?
Vamos supor que o relativismo descritivo é verdadeiro. Suponhamos que realmente diferimos muito uns dos outros e que isto continuará a ser assim mesmo depois de muita argumentação e discussão. Mas o que nos diz isto sobre o relativismo no sentido prescritivo — a tese de que os valores e argumentos morais também são relativos?
Seguir-se-á, do relativismo descritivo, que não existe uma única resposta correcta para as questões morais? Não necessariamente. Simples diferenças factuais, só por si, não provam que não existe um modelo correcto para resolver as questões morais. Talvez todas as perspectivas estejam erradas, menos uma. As pessoas discordam quanto a todos os tipos de factos (será a Terra redonda? Será que a vitamina C previne as constipações?), mas isso não implica que não haja uma resposta verdadeira. Haverá alguma coisa tão especial acerca dos juízos de valor que os torna diferentes dos “factos”? Talvez, mas se pensares que sim, tenta explicar o que é. Apresenta a argumentação.
Vamos supor que o relativismo prescritivo é verdadeiro, isto é, que provavelmente não existe a resposta correcta para as questões morais, e que toda a resposta é tão boa como qualquer outra. Que implicações terá essa suposição? Será que, por exemplo, implica a tolerância, isto é que devemos viver aceitando as diferenças dos outros? Muitos pensarão que sim. Sem dúvida que o relativismo é compatível com a tolerância. Mas também é compatível com a intolerância. Se as questões morais não têm uma única resposta, e se o tema da tolerância é, ele próprio moral, então segue-se que a tolerância é tão boa quanto a intolerância e vice-versa.
Pensas que o relativismo moral implica a tolerância? Se sim, como construir o argumento sem cair no próprio relativismo? Se não, como podes defender a tolerância? Será que a tolerância necessita de um argumento não relativista?
A que situações é que relativismo prescritivo se aplica realmente? Que diferença fará na prática? Supõe que o relativista afirma que nós não podemos discutir com os canibais sobre o canibalismo. Mas com que frequência discutimos com canibais? A maior parte das nossas discussões é feita com pessoas que partilham as nossas ideias. Eu nunca discuti com um canibal, embora o faça constantemente com os meus filhos (cujos hábitos alimentares também têm muito que se lhes diga). Com eles eu posso discutir — eles crescem na nossa cultura, e têm alguma aprendizagem a fazer.
Por outro lado, às vezes pedem-nos para fazermos juízos morais que atravessam diferentes culturas, como, quando os portugueses foram chamados a dar a sua opinião sobre as condutas da Indonésia em relação a Timor Leste. Será correcto exigir isso das pessoas? O que diria o relativista acerca disso? O que pensar da resposta relativista?
Será que o relativismo, ele próprio, não varia de pessoa para pessoa e de cultura para cultura? Será que, pelo facto de algumas pessoas discordarem acerca da verdade do relativismo isso significa que essa verdade é ela própria relativa? Se responderes que não — isto é que o relativismo pode ser verdadeiro ou, pelo menos defensável, apesar das discordâncias — então por que não podem ser os valores morais? Se responderes que sim — que o relativismo é ele próprio relativo — então qual é a questão? (isto pode ser enganador).
Finalmente, para aqueles que rejeitam o relativismo, fica a questão de saber se o relativismo não terá também alguma coisa ensinar-nos. A complexidade de muitas situações morais, não tornará muito difícil defender que há uma única resposta correcta? Não será o relativismo a afirmação da necessidade de um espaço moral, onde possamos aprender com os nossos erros? Não será o relativismo a defesa de um espírito livre, eticamente mais flexível, e que nos recorda que a verdade não é facilmente alcançável? Não será necessário olhar para as coisas de outros pontos de vista?