Em três obras filosóficas publicadas recentemente, aquilo que se segue é fornecido como um exemplo de um silogismo aristotélico:1
1) Todos os homens são mortais,
Sócrates é um homem,
logo
Sócrates é mortal.
Este exemplo parece muito antigo. Com uma ligeira modificação — “animal” em vez de “mortal” — é citado já por Sexto Empírico como um silogismo “peripatético”.2 Mas um silogismo peripatético não é necessariamente um silogismo aristotélico. De facto, o exemplo fornecido acima difere em dois aspectos logicamente importantes do silogismo aristotélico. Primeiro, a premissa “Sócrates é um homem” é uma proposição singular, visto que o seu sujeito “Sócrates” é um termo singular. Ora Aristóteles não introduz termos singulares nem premissas singulares no seu sistema. O seguinte silogismo seria então mais aristotélico:
2) Todos os homens são mortais,
Todos os gregos são homens,
logo
Todos os gregos são mortais.3
Este silogismo, contudo, ainda não é aristotélico. É uma inferência na qual, de duas premissas aceites como verdadeiras, “Todos os homens são mortais” e “Todos os gregos são homens”, se extrai a conclusão “Todos os gregos são mortais”. O sinal característico de uma inferência é a palavra “logo” (ára). Ora, e esta é a segunda diferença, nenhum silogismo é formulado por Aristóteles primariamente como uma inferência. Todos os silogismos são condicionais que têm como antecedente a conjunção das premissas e como consequente a conclusão. Um verdadeiro exemplo de um silogismo aristotélico seria assim a seguinte condicional:
3) Se todos os homens são mortais
e todos os gregos são homens,
então todos os gregos são mortais.
Esta condicional é apenas um exemplo moderno de um silogismo aristotélico e não existe nas obras de Aristóteles. Seria preferível, claro, ter um exemplo de um silogismo fornecido pelo próprio Aristóteles. Infelizmente, nenhum silogismo com termos concretos se encontra nos Analíticos Anteriores. Mas há algumas passagens dos Analíticos Posteriores das quais se podem extrair alguns exemplos de tais silogismos. O mais simples deles é este:
4) Se todas as plantas com folhas largas são efémeras
e todas as videiras são plantas com folhas largas,
então todas as videiras são efémeras.4
Todos estes silogismos, aristotélicos ou não, são apenas exemplos de algumas formas lógicas, mas não pertencem à lógica, pois contêm termos que não fazem parte dela, como “homem” ou “videira”. A lógica não é uma ciência acerca dos homens ou das plantas, é apenas algo que é aplicável a esses objectos, tais como a quaisquer outros objectos. De forma a obter um silogismo pertencente à esfera da pura lógica, temos de remover do silogismo aquilo a que poderíamos chamar o seu conteúdo, mantendo apenas a sua forma. Isto foi feito por Aristóteles, que introduziu letras em vez de sujeitos e predicados concretos. Colocando em 4 a letra A em vez de “efémero”, a letra B em vez de “planta com folhas largas” e a letra C em vez de “videira”, e utilizando, tal como faz Aristóteles, todos estes termos no singular, obtemos a seguinte forma silogística:
5) Se todo o B é A
e todo o C é B,
então todo o C é A.
Este silogismo é um dos teoremas lógicos inventados por Aristóteles, mas mesmo ele ainda difere em estilo do genuíno silogismo aristotélico. Ao formular silogismos com a ajuda de letras, Aristóteles coloca sempre o predicado em primeiro lugar e o sujeito em segundo. Ele nunca diz “Todo o B é A”, usando antes a expressão “A é predicado de todo o B”, ou mais frequentemente “A pertence a qualquer B”. Apliquemos a primeira destas expressões à forma 5; obteremos uma tradução exacta do mais importante silogismo aristotélico, posteriormente chamado “Barbara”:
6) Se A é predicado de todo o B
e B é predicado de todo o C,
então A é predicado de todo o C.5
A partir do exemplo inautêntico 1, chegámos por meio de uma transição gradual ao genuíno silogismo aristotélico 6.
Jan Łukasiewicz
Veja-se Ernst Kapp, Greek Foundations of Traditional Logic, Nova Iorque (1942), p. 11; Frederick Copleston, S.J., A History of Philosophy, vol. I: Greece and Rome (1946), p. 277; Bertrand Russell, History of Western Philosophy, Londres (1946), p. 218. ↩︎︎
Sexto Empírico, Hipóteses Pirrónicas, ii, 164. Umas linhas antes, Sexto afirma que se referirá aos chamados silogismos categóricos, utilizados principalmente pelos peripatéticos. Veja-se também ibidem, ii, 196, onde o mesmo silogismo é citado com as premissas transpostas. ↩︎︎
B. Russell, op. cit., p. 219, fornece a forma 2 imediatamente a seguir à forma 1, acrescentando entree parênteses a seguinte observação: “Aristóteles não distingue entre estas duas formas; como veremos, isto é um erro”. Russell tem razão quando diz que estas duas formas devem ser distinguidas, mas a sua crítica não deve aplicar-se a Aristóteles. ↩︎︎
Analíticos Posteriores, ii, 16, 98b5 ↩︎︎
A palavra ananké omitida nesta tradução será explicada mais tarde. ↩︎︎