Suponha que um carpinteiro talha pedaços de madeira e os organiza de modo a comporem uma mesa. Em bom rigor ontológico, o que ocorreu? Será que somente certos pedaços de madeira ou agregados de fibras de celulose foram dispostos de modo diferente em relação uns aos outros, ou terá sido criado algum objeto de categoria distinta quer dos pedaços quer dos agregados? Suponha que a mesa é esmagada, talvez pelo desmoronamento de um teto, e não mais pode funcionar como mesa. Tratar-se-á somente de alguns objetos estarem dispostos em uma nova configuração — talvez objetos muito pequenos, por exemplo, moléculas de celulose, caso o esmagamento seja severo — ou tratar-se-á de um objeto sendo destruído?
Os metafísicos contemporâneos já acham bastante difícil acreditar que mesmo os pedaços de madeira com os quais o carpinteiro constrói a mesa realmente existem, em bom rigor ontológico. Apreensões acerca da composição (van Inwagen, 1990), da vagueza (Unger, 1979a, b) e da coincidência de objetos (Zimmerman, 1995, 106 ss.) parecem descartar qualquer pretensão semelhante. Por conseguinte, é ainda mais difícil de acreditar que uma coleção de pedaços de madeira resultante da atividade intencional do carpinteiro é um novo objeto por direito próprio. As intenções dos artesãos entre nós e os usos que todos os outros fazem de seus produtos simplesmente parecem aflorar muito ao de leve a superfície do nosso mundo material. Pode parecer inacreditável que a matéria sobre a qual incidem as nossas intenções e usos venha, por esse meio, a ser um objeto material diferente em sua natureza essencial daquilo que existiria em seu lugar, não fosse essa incidência.
Assim, é amplamente aceito que não há artefatos num mundo cartografado por uma ontologia séria. Os artefatos existem somente naquilo a que Sellars (1963) chamou “a imagem manifesta”. Os seus percursos são projetados pelas pessoas sobre materiais indiferentes.
Neste capítulo argumenta-se que, pelo contrário, uma ontologia isenta de artefatos é desnecessária e provavelmente incoerente. Os artefatos — ou pelo menos muitos artefatos — são, em bom rigor ontológico, objetos de categorias distintas de seja o que for que os compõe. As propriedades essenciais que caracterizam as (muitas) categorias de artefatos se agrupam de um modo tão independente da mente quanto as propriedades essenciais que caracterizam os membros de categorias naturais conhecidas — desde átomos de argônio e moléculas de H2O a glaciares e geodos. É verdadeiro que a razão para o agrupamento difere no caso das categorias a que (muitos) artefatos pertencem — a que chamarei “categorias copiadas” — e no caso das categorias naturais geralmente discutidas. No caso das categorias naturais geralmente discutidas, as propriedades características ocorrem juntas de espécime em espécime, de amostra em amostra, em virtude de uma composição ou microestrutura física comum. No caso das categorias copiadas, as propriedades essenciais à categoria ocorrem juntas de espécime em espécime em virtude de uma história funcional comum (Elder 1995, 1996). A semelhança entre os espécimes tem origem no seu mundo circundante, e não no seu interior. Mas o agrupamento de propriedades é igualmente genuíno e igualmente independente da mente.
Em resumo, neste capítulo se irá argumentar que (muitos) artefatos não têm uma pretensão menos legítima a serem objetos genuínos do que muitos objetos familiares de médias ou grandes dimensões — e.g. glaciares, granizo e estrelas. Em grande medida, o capítulo não lidará com as preocupações que impedem muitos metafísicos contemporâneos de acreditar que esses objetos existem, em bom rigor ontológico. Pois a posição a que este capítulo se opõe é a de que os percursos dos artefatos são meras projeções das pessoas sobre objetos que não incluem quaisquer artefatos. Essa posição afirma a existência de pessoas. E é difícil — se não de todo impossível (cf. Lowe, 1991) — contestar que as pessoas pertencem a uma classe conhecida de objetos materiais de médias ou grandes dimensões. As pessoas, por assim dizer, parecem — caso sejam de algum modo reais — composicionalmente vagas, mereologicamente incontinentes, coincidentes com agregados de matéria modalmente diferentes, etc. Quaisquer dúvidas ontológicas que essas características levantam afligem portanto o projetivismo que este artigo ataca, tanto quanto a posição que defende. Dissipar as dúvidas é uma tarefa que cabe tanto ao projetivista como a mim, e aqui farei pouco para cumpri-la — ainda que venha (na seção 3) a apresentar uma solução para “o problema dos objetos coincidentes”.
Mas o projetivismo se depara com um problema que a minha posição não tem. Esse problema não diz respeito às nossas credenciais, enquanto projetores, mas antes às causas das nossas supostas projeções. À pergunta ingênua, “o que nos faz acreditar que há artefatos no mundo ao nosso redor?”, a resposta ingênua é que a nossa interação com os artefatos faz isso — criamos artefatos, usamo-los, observamo-los. À pergunta menos ingênua, “se não há, em rigor, quaisquer artefatos no mundo, o que nos faz então acreditar neles?”, a resposta natural seria que a nossa cultura ou convenções ou costumes fazem isso. A crença em artefatos é suscitada pelas frases que escutamos ao colo de nossas mães. Porém, um autêntico projetivista deve ter o cuidado, ao formular uma resposta para essa pergunta menos ingênua, de mencionar, como algo que exerce efeito em nós, somente aqueles objetos que a sua ontologia isenta de artefatos reconhece. Muito possivelmente, nesses objetos não se inclui, de modo algum, coisas como costumes ou frases. Que objetos são incluídos? Para os projetivistas arrojados, os objetos susceptíveis de terem efeitos sobre nós incluiriam os objetos conhecidos de dimensões medianas, como os glaciares e geodos; para os projetivistas mais cautelosos, os objetos supostamente com efeito sobre nós serão muito pequenos, por exemplo “elementares físicos” como léptons e bósons (e.g. van Inwagen, 1990, 98-99), ou muito desconhecidos, tais como parcelas de material primordial (e.g. Sidelle, 1989, 54-55). Em todo o caso, como argumentarei, há um enorme hiato entre qualquer resposta disponível ao genuíno projetivista para a nossa pergunta menos ingênua e o tipo de resposta que parece natural. Pois o domínio de nossa cultura, convenções e linguagem abunda em categorias copiadas. Assim, se o projetivista oferecer uma resposta suficientemente rica para retratar a ação exercida sobre nós por itens deste domínio, ele concede que os membros de pelo menos algumas categorias copiadas exercem realmente alguma ação e existem realmente. Então ele não dispõe de qualquer modo que não seja ad hoc de negar que pelo menos alguns artefatos existem. Se, por outro lado, o projetivista negar que há no mundo quaisquer categorias copiadas, ele negará que há objetos acerca dos quais se poderia plausivelmente afirmar que causam, pela ação que exercem em nós, a projeção em que acredita.
Rigorosamente falando, este capítulo não é diretamente uma defesa ontológica dos artefatos, mas antes das categorias copiadas. As categorias copiadas incluem muitas categorias de artefatos, mas também outras coisas: categorias de mecanismos biológicos, categorias de comportamento naturalmente selecionado (e.g. danças de acasalamento), categorias de práticas consuetudinárias (e.g. danças da chuva) e categorias de estrutura linguística. As categorias de artefatos discriminados pelos categoriais da linguagem comum não raro correspondem a categorias copiadas, mas não invariavelmente: as cadeiras não constituem uma categoria copiada, tampouco as gravatas e as argolas de nariz (veja seção 3). Dar-me-ei por satisfeito se chegar a descobrir um lugar na ontologia para ao menos alguns artefatos.
Devo acrescentar — a fim de esclarecer a relação entre o meu projeto e o de Amie Thomasson (2007) — que o meu projeto é descobrir um lugar para (alguns) artefatos numa ontologia realista. Thomasson argumenta que se pode defender a realidade dos artefatos sem lhes atribuir a propriedade de serem independentes da mente: o fato de os criadores e usuários de artefatos albergarem os pensamentos e intenções corretos, argumenta Thomasson, é constitutivo da existência dos artefatos, e existem efetivamente artefatos. Pretendo estabelecer uma posição mais forte. Não posso abalar o receio de que a defesa que Thomasson faz dos artefatos não difira senão verbalmente da rejeição que o projetivista faz dos artefatos. Se a própria existência dos artefatos consiste em as pessoas albergarem certos pensamentos acerca do conteúdo material do mundo, então não posso resistir à ideia de que uma ontologia que postulasse somente esses mesmos pensamentos poderia explicar tudo o que uma ontologia que postula artefatos explica.
Os artefatos realmente têm um lugar na ontologia se, ao dar forma a uma mesa, um carpinteiro não se limita a combinar pedaços de madeira ou agregados de celulose em uma disposição diferente entre eles, mas antes dá existência a um novo objeto. Assim, os artefatos têm também um lugar se, quando a mesa é esmagada pelo desmoronamento do teto, não sucede somente que os pedaços ou agregados se recombinam diferentemente, mas algo é também destruído. Mas como poderá ser decidida a questão: o que precisamente marca a diferença entre “alteração substancial”, isto é, mudança que envolve criação ou destruição, e “alteração acidental”, alteração que meramente envolve modificação? Sugiro que a questão é mais facilmente tratada quando nos centramos em primeiro lugar na destruição. Pois desse modo podemos começar por perguntar o que marca a diferença entre a alteração substancial e a acidental, sendo que em ambas o objeto sobre que incidem é o mesmo. Isto é, podemos perguntar o que marca a diferença entre um caso em que o objeto é modificado mas continua a existir, e um caso em que esse mesmo objeto é destruído e não mais existirá.
É claro que, verbalmente, a resposta é óbvia: tudo isso depende de o objeto ter perdido uma propriedade acidental ou essencial — uma propriedade que o objeto tem contingentemente, ou uma que tem necessariamente. A questão difícil é acerca daquilo em que consiste a essencialidade de uma propriedade essencial. Na presente seção ofereço uma resposta realista a essa questão. Sirvo-me então dessa resposta para esboçar um argumento — a que a seção seguinte dará corpo — em como muitas categorias de artefatos têm propriedades essenciais que os materiais de que esses artefatos são compostos não têm. Assim, quando uma mesa é esmagada, é verdade, em bom rigor ontológico, que um objeto é destruído.
Mas por que não adotar uma posição antirrealista acerca da essencialidade? Por que não adotar a posição ora denominada “convencionalismo” ora “construtivismo”? Segundo essa posição, são as nossas práticas que em última análise fixam que gêneros de propriedades são essenciais aos membros de qualquer categoria. Numa das versões dessa posição, as práticas entram em jogo quando introduzimos pela primeira vez o termo para a categoria em causa: apontamos para uma amostra e obtemos o novo termo para referir a categoria essencialmente caracterizada por justamente aquelas semelhanças entre os membros ou porções da amostra que são do gênero apropriado — semelhanças respeitantes a gêneros gerais de propriedades que escolhemos tornar cruciais (Thomasson, 2007).1 Em versões não-históricas dessa posição, temos convenções de individuação que fazem certos gêneros de propriedades marcar diferenças de categoria, entre itens da mesma categoria bastante geral (e.g. entre animais, entre minerais), e fazem certas propriedades assinalar o ponto em que a existência de um membro individual dessa categoria começa e acaba.
Assim, por que não adotar essa posição acerca da essencialidade? A resposta é que uma posição convencionalista sobre a essencialidade das propriedades essenciais de uma dada categoria está fora de alcance tanto para mim quanto para o meu designado oponente. (Na verdade, considero essa posição fora de alcance para seja quem for, mas essa é outra história — Elder, 2004, cap. 1). Está fora do alcance para o meu designado oponente porque ele é o filósofo que sustenta que os percursos dos artefatos são meramente projetados por nós — por nossas práticas linguísticas ou conceituais — ao passo que os nossos percursos não são meras projeções, e que os percursos dos arredores materiais indiferentes sobre os quais fazemos as projeções tampouco são meras projeções. Ou seja, para o meu designado oponente, os fatos que correspondem ao ponto onde a nossa existência começa e termina, e ao ponto onde a existência de léptons ou de moléculas ou de parcelas de celulose começa e termina são fixados independentemente de nós. Mas o percurso de qualquer ser humano ou de qualquer lépton se estende somente até ao ponto em que esse ser humano ou lépton preservam quaisquer que sejam as propriedades que lhes são essenciais. Se o próprio estatuto dessas propriedades enquanto essenciais nada fosse além de uma projeção dos costumes humanos, os fatos acerca de onde aqueles percursos começam e terminam não seriam de modo algum fixados independentemente de nós. Portanto, o meu oponente não pode adotar um convencionalismo generalizado no que diz respeito à essencialidade. (Assim, Thomasson, que realmente adota um convencionalismo generalizado acerca da essencialidade, não é o gênero de “projetivista” que ataco neste capítulo.) Tampouco posso adotar o convencionalismo amplo acerca da essencialidade. A minha posição é que os artefatos têm existência genuína, independente da mente — uma existência causada por nós, sem dúvida, mas não constituída pelas crenças que temos acerca de onde os artefatos se encontram. Os artefatos traçam percursos independentes da mente, existências independentes da mente. Mas essas existências também persistem somente na medida em que os artefatos preservam as suas propriedades essenciais, e, portanto, mais uma vez o estatuto dessas propriedades enquanto essenciais não pode ser ele mesmo dependente da mente; de contrário, seguir-se-ia afinal que talhamos ou construímos os percursos dos artefatos.
Em todo o caso, uma posição realista acerca do estatuto das propriedades que são essenciais à natureza de categorias, coisas e fenômenos, enquanto essenciais, não é hoje nem exótica nem desconhecida. Desde os escritos de Kripke e Putnam no início dos anos 70 (e.g. Kripke 1972/1980; Putnam 1975) os filósofos têm-se acostumado à ideia de que o que faz uma propriedade ser essencial não é o modo como ela integra os nossos conceitos e convenções, mas antes o modo como o mundo funciona. O que faz de ser composto por moléculas de H2O uma propriedade essencial da água é esta subjazer, não somente às características superficiais que as pessoas sempre associaram a “água” — ou talvez uma “maioria ponderada” dessas propriedades — mas também o fato de subjazer a uma multidão de propriedades cientificamente mensuráveis, ainda mais decisivamente distintivas da água. Ser composto por moléculas de H2O subjaz ao ponto de ebulição e fusão da água, ao seu índice de refração e à sua viscosidade. Em geral, nos acostumamos a pensar que a essencialidade é fixada pelas leis da natureza. Uma propriedade essencial de uma certa coisa, ou categoria, ou fenômeno, segundo esse modo habitual de pensar, é antes de mais uma propriedade ao redor da qual uma série de outras propriedades se aglomeram ordenadamente — propriedades que, seja individualmente, seja em combinação, são distintivas da categoria em causa, não se encontram em qualquer outra coisa ou categoria (veja e.g. Elder 1989, 1996). Em segundo lugar, pelo menos para alguns filósofos, as propriedades essenciais da coisa ou categoria incluem todas aquelas presentes no aglomerado (Elder 1994, 1995).
Mas essa imagem realista familiar acerca das propriedades essenciais pode, de certo modo, ser muito restrita. Em que consiste tradicionalmente uma categoria natural? Trata-se de uma família de exemplos acerca dos quais inferências indutivas cuidadosas serão verdadeiras de um modo não-acidental — uma família unida pela posse de uma natureza comum. Mas essa concepção tradicional não fornece qualquer razão para presumir que todas as categorias naturais serão caracterizadas por uma única propriedade que seja por si só distintiva da categoria — uma única propriedade jamais encontrada em membros de outras categorias. Nos limites da concepção tradicional, uma categoria natural poderia ser caracterizada por alguma combinação distintiva de propriedades que sejam individualmente indistintas e até mesmo “produzidas em série”. Não é preciso haver uma única propriedade responsável, em virtude das leis da natureza, pela presença de outras que, individualmente ou em combinação, distinguem aquela categoria de todas as outras. Ao invés, a concepção tradicional dá margem para essa possibilidade: de as propriedades p1,...pn, serem propriedades dos X somente no caso de outras propriedades se aglomerarem — em virtude das leis da natureza — com p1,...pn, que os X estão sujeitos a possuir propriedades ou combinações de propriedades que não se encontram em membros de qualquer outra categoria. Defendo precisamente que a nossa análise realista da essencialidade deve ter essa forma mais liberal. Não devemos insistir que entre as propriedades essenciais aos membros de uma certa categoria natural tem de haver alguma propriedade que se encontre somente naquela categoria. Devemos exigir somente que as propriedades essenciais se aglomerem de modo não acidental, e em um aglomerado que não se encontra em qualquer outra categoria.
Os membros daquilo a que chamo “categorias copiadas” (Elder, 1996) se caracterizam por três propriedades que, como argumento na próxima seção, são essenciais segundo a análise mais liberal. Primeiro, os membros de qualquer categoria copiada se caracterizam por uma composição ou “forma” particular. É literalmente uma forma no caso de artefatos ou dispositivos biológicos, por exemplo a chave-de-fendas doméstica ou o olho de lente dupla de uma águia; tratar-se-á de uma forma num certo sentido metafórica no caso dos comportamentos reproduzidos, por exemplo a dança de acasalamento dos peixes espinhosos ou no caso de um ritual de dança da chuva realizado por uma determinada cultura humana; tratar-se-á de uma “forma” num sentido puramente metafórico no caso de formas ou construções linguísticas, tais como o modo indicativo num idioma particular. Segundo, os membros de qualquer categoria copiada se caracterizam por aquilo que Ruth Millikan denomina “função apropriada” (Millikan, 1984, Cap 1 e 2; cf Millikan 2002). Isto é, os membros são produzidos por um processo ou mecanismo que os copia a partir de membros anteriores dotados de forma similar, e faz isso em consequência causal de esses membros anteriores realizarem determinadas funções — o fato de produzirem determinados efeitos. Por outras palavras, o processo é tal que produz mais cópias de itens anteriores que produzem esses efeitos do que de itens que não produzem esses efeitos, ou mais cópias de itens que produziram um dado efeito particular mais frequentemente do que itens diferentes que o produziram com menor frequência, ou mais cópias de itens que produziram esse efeito de um modo mais abrangente do que itens que o produziram de um modo menos abrangente. Consequentemente, há, num sentido histórico, algo que os membros de categorias copiadas são “propensos” a fazer, algo que os membros presentemente existentes dessas categorias “têm de fazer”.2 Terceiro, os membros de qualquer categoria copiada se caracterizam pelo que se poderia denominar “contexto histórico apropriado”.3 Isto é, as operações de membros anteriores, das quais a produção de membros presentemente existentes depende causalmente, consistem em cooperações com membros de outras categorias copiadas específicas, co-localizadas com esses membros anteriores. No passado os olhos de lente dupla, em águias que desapareceram há muito, fizeram algo que contribuiu causalmente para a replicação de olhos como esses nas águias que existem hoje, mas esse “algo” não teria ajudado as águias nem contribuído para a replicação, se os olhos não tivessem sido acompanhados por cérebros equipados para tratar os sinais neurológicos complexos que esses olhos transmitem. As chaves-de-fendas serviram para fixar os objetos, mas somente porque são acompanhadas de parafusos com a ranhura e formato adequados.
Argumentarei na próxima seção que concomitantemente a qualquer combinação dessas três propriedades — qualquer “forma” copiada, função apropriada e contexto histórico apropriado presentemente existentes — se aglomeram outras propriedades, por vezes em grande número e por vezes em escasso número, mas sempre em número suficiente para constituir uma combinação que não pode ser encontrada em membros de outras categorias. Assim, as categorias copiadas têm realmente propriedades essenciais, no mesmo sentido tradicional em que as têm quaisquer outras categorias que existem no mundo. Quando o desmoronamento do teto esmaga uma mesa, fazendo que a sua forma não esteja mais presente, uma propriedade essencial, e não uma acidental, se perde. O desmoronamento provoca não só a modificação mas também a destruição de um objeto.
Pelo menos isso será assim desde que os argumentos da próxima seção sejam bem-sucedidos. Porém, a mera identificação de candidatas a propriedades essenciais, para artefatos e membros de outros categorias copiadas pode ajudar a dissipar um pouco do ceticismo considerado no início deste artigo, acerca do lugar dos artefatos no patamar fundamental da ontologia. Quando um artesão dá forma a um artefato, trabalha em materiais como a madeira, o aço e a pedra. Enquanto matéria, esses materiais têm já naturezas essenciais. Pode parecer inacreditável, como apontamos — muito semelhante a magia — que meramente dando forma e combinando parcelas desses materiais, de tal modo que reflitam as suas intenções, o artesão dá existência a um novo objeto, que tem uma natureza essencial antes ausente. Mas se a posição deste capítulo estiver correta, a criação não tem início com o artesão tendo a intenção que tem. Ao invés, as propriedades essenciais que o seu produto herdará têm origem na história da função e da cópia que se iniciou muito antes de o artesão começar o seu trabalho. Essa história se estende aos movimentos do artesão — ela molda o seu moldar. A sua existência e eficácia são, em grande medida ou mesmo completamente, independentes da vontade do artesão. (Por outras palavras, os artefatos são comumente aquilo a que Sperber chama “artefatos culturais” — 2007, seção 1, especialmente a figura 2.)
Por razões semelhantes, não devemos ter quaisquer escrúpulos em denominar as categorias copiadas categorias naturais. É verdadeiro que os artefatos pertencem às categorias a que pertencem em virtude do modo como os moldamos — isto é, como um reflexo de nossa inteligência e ações. Mas nós próprios, com a nossa inteligência e ações, somos itens que a natureza produziu (cf. Sperber, ibid., sec.2.). Portanto, as categorias em que fazemos os artefatos se enquadrarem são categorias que a natureza forma por meio de nós.
A minha afirmação central é que concomitantemente a qualquer combinação efetiva de “forma” copiada, função apropriada e contexto histórico apropriado, uma série de outras propriedades irão certamente se aglomerar — pelo menos propriedades suficientes para formar uma combinação que não se encontra em qualquer outra categoria na natureza. Isso será assim quer a combinação caracterize uma categoria particular de artefato, uma categoria de mecanismo biológico, uma rotina comportamental estabelecida pela seleção natural, um costume arreigado numa cultura humana ou uma estrutura linguística. Mas antes de começar a argumentar a favor dessa afirmação, devo dizer algumas palavras que justifiquem agrupar itens aparentemente tão discrepantes sob a rubrica comum “categoria copiada”. A justificação está na ideia de que os itens de todos esses gêneros díspares são produzidos por processos de cópia que, apesar de diferirem em detalhes, são semelhantes em aspectos gerais e importantes.
É de reconhecer que as diferenças saltam aos olhos mais rapidamente do que as semelhanças. O processo que copiou os genes para olhos de lentes duplas, tão eficazmente que elas emergiram de mutações felizes em poucas proto-águias, até à fixação no reservatório genético das águias de hoje, foi “cego” e não-direcionado — tratou-se de seleção natural. Pode-se também afirmar que a seleção natural, como argumentarei em breve, copiou os próprios olhos das águias de hoje a partir dos olhos das águias ancestrais. Mas um artífice competente que dá forma a uma chave-de-fendas, com base no modelo de chave-de-fendas anteriores que se mostraram eficazes, copiou consciente e deliberadamente. E entre esses extremos parece haver um espectro de processos de cópia curiosamente distintos. A geração atual de povos indígenas pode deliberadamente copiar o seu ritual de dança da chuva a partir das danças de gerações anteriores, mas sem qualquer compreensão clara do benefício da coesão social que constitui a verdadeira razão para a existência persistente da dança. Um fabricante de automóveis poderia manter-se no negócio somente em virtude de os seus automóveis replicarem o projeto de protótipos isentos de poluentes, desenvolvidos por um concorrente, mas pode ainda assim projetar os seus automóveis somente com vista ao lucro; a replicação do projeto isento de poluentes pode não ser inconsciente, mas pode também não ser intencional. Os castores não agem inconscientemente quando replicam, ao construírem uma represa, o projeto seguido por gerações de seus ancestrais, mas tampouco (parece que) tenham explicitamente a intenção de que a estrutura de galhos deve represar a água, nem de que os suportes subaquáticos movidos verticalmente no leito do riacho devem impedir que a estrutura de galhos horizontais deslize corrente abaixo. (Se colocados em um quarto com alto-falantes que reproduzem o som de água corrente, os castores empilham galhos sobre os alto-falantes.) Uma aranha tece a teia que é característica da sua espécie, mas sem ter a intenção de que aquele gênero de teia deve apanhar presas; as larvas das moscas de água depositam redes de pesca sedosas nos riachos onde vivem, mas sem a intenção de apanhar comida (Gould, 2007). De tempos em tempos, ao construirem os seus “castelos de barro”, as térmitas colocam novos globos de barro aos pares sobre cada pilar, à distância precisa para formar minuciosamente um arco perfeito unindo os pilares (idem).
Há uma semelhança crucial entre os processos de cópia que produzem esses itens aparentemente díspares. Todos são sensíveis à realização, pelas categorias anteriores que figuram como “originais” nos processos de cópia, de certas categorias de funções. Funções perceptivas ou comportamentais entre as “originais” incorporadas na fisiologia animal, funções de montagem e torneamento e flexibilidade entre as “originais” incorporadas nas ferramentas, funções que alteram o desempenho ou a facilidade de uso entre as mercadorias. Os processos são tais que copiam durante mais tempo, ou em maior número, itens anteriores que serviram alguma função, do que itens que não serviram função alguma; ou itens anteriores que serviram uma função mais frequente ou efetivamente do que itens que serviram a mesma função de modo menos satisfatório; ou itens anteriores que serviram uma função mais urgente do que os que serviram uma menos urgente. O modo como os processos ou mecanismos de cópia funcionam não os restringem à cópia de itens exclusivamente daquela composição qualitativa encontrada em itens presentemente produzidos. Eles terão copiado itens qualitativamente diferentes, em menor grau. As suas histórias terão garantido a afirmação de que dada a disponibilidade histórica para cópia de originais mais funcionais do que os produtos presentes, aqueles originais mais funcionais teriam sido copiados, ao invés.
Isso explica por que é realmente legítimo descrever a seleção natural como um mecanismo que copia, não só configurações genotípicas de uma geração para outra, mas também de características fenotípicas que expressam esses genótipos. É claro que somente os genes são diretamente copiados. A prole de um amputado não herda as pernas de pau. Mas o que faz um genótipo particular ser replicado mais frequente e amplamente, de geração em geração, não consiste amiúde na deriva genética aleatória, mas no sucesso adaptativo (e, portanto, reprodutivo) de uma característica fenotípica que o genótipo codifica. Nessas circunstâncias, a consequente disseminação de um genótipo subjacente ao reservatório de genes causa por sua vez uma disseminação daquela característica fenotípica na espécie. Daí que não raro o sucesso alcançado por espécimes anteriores de características fenotípicas cause a produção de espécimes posteriores. Há um processo que produz olhos nas águias que existem hoje, que se assemelham aos olhos de águias ancestrais, e este é causalmente sensível ao sucesso alcançado por aqueles olhos ancestrais. Há um mecanismo responsável pela presença do comportamento de construção de represas nos castores que existem hoje, e este é causalmente sensível ao sucesso alcançado precisamente por espécimes passados desses comportamentos. Em resumo, embora o que é copiado diretamente de geração para geração sejam os genes, é também verdadeiro que as características fenotípicas são indiretamente copiadas ao longo de gerações, copiadas na qualidade de consequência causal das funções servidas no passado. É nesse sentido que podemos dizer que as represas feitas por castores existentes hoje são cópias de represas feitas por castores ancestrais; como Dawkins (1982) apontou, a represa faz tanto parte do fenótipo naturalmente selecionado dos castores quanto as suas caudas.
Os itens produzidos por esses processos de cópia sensíveis ao sucesso são assim o tema da minha discussão central. (Dessa forma, a minha discussão diz não só respeito aos “replicadores” mas também aos “propagadores”, para usar a terminologia de Sperber, 2007.) A ideia é que onde uma “forma” copiada particular, uma realização anterior que seja causalmente responsável pela cópia (i.e. a função apropriada), e um contexto histórico apropriado estiverem co-presentes, concomitantemente a eles em geral aglomerar-se-ão algumas propriedades adicionais. Inferências a partir de amostras examinadas serão verdadeiras de um modo não-acidental acerca das categorias copiadas, tanto quanto para as categorias naturais que nos são mais familiares nas discussões filosóficas. Essas propriedades adicionais se subsomem em três categorias principais. Há propriedades relacionadas com a composição material, há peculiaridades funcionais do desenho copiado, e há propensões específicas para a modificação histórica quando e se o contexto apropriado mudar.
Assim, pode-se primeiramente, sem dúvida, esperar que os membros de uma dada categoria copiada sejam feitos do gênero apropriado de matéria.4 Isso é obviamente verdadeiro no caso de artefatos e categorias de hardware fenotípico. É verdadeiro num sentido diverso para comportamentos uniformemente reproduzidos. Pode-se esperar seguramente que as chaves-de-fenda domésticas, por exemplo, sejam feitas de materiais razoavelmente firmes. Pois os parafusos que elas giram têm de ser suficientemente firmes para penetrar os materiais em que são inseridos, e as próprias chaves-de-fenda têm de fazer girar os parafusos sem ficarem retorcidas no processo. Os materiais que compõem uma represa de castor têm de ser suficientemente firmes para que, quando entrelaçados para formar a trama característica, não quebrem ou se dissolvam sob a pressão da água represada. Mas não podem ser tão firmes ou densos a ponto de os castores não serem capazes de carregar pedaços desses materiais com os dentes. A dança de acasalamento de uma espécie particular de peixe não deve ter uma coreografia tão acrobática a ponto de nenhum macho ser capaz de a dançar, nem tão complexa a ponto de quase nenhuma fêmea conseguir reconhecê-la.
Segundo, os membros de quaisquer categorias copiadas irão incorporar uma solução de design particular para o que poderia ser amplamente denominado um problema de engenharia, e com essa solução se sucederiam méritos e desvantagens particulares. O mecanismo humano de localização de sons tem uma concepção simples e “de baixo custo”, mas uma imperfeição recorrente e previsível: não raro é incapaz de distinguir entre um som que emana de uma fonte 30º–60º afastada da “dianteira” e um som que emana de uma fonte 30º–60º afastada da “traseira”. Os sistemas visuais estereoscópicos que se encontra em espécies mamíferas predadoras incorporam uma solução para a tarefa de percepcionar em profundidade, mas é conseguida pagando o preço do estreitamento do campo visual. Rituais humanos que envolvem oferendas sacrificiais incorporam soluções ao desafio da satisfação de necessidades sociais e emocionais, mas é previsível que em tempos de fome também acarretam sofrimento e rupturas.
Finalmente, os membros de pelo menos algumas categorias copiadas serão propensos a sofrerem transformações na sua composição qualitativa, ou terão uma história de haverem sofrido transformações efetivas, de maneiras que coincidem com alterações nos seus contextos históricos apropriados. Os comportamentos de caça em espécies predadoras se alterarão quando a espécie que é habitualmente o alvo da predação adquirir novas rotinas de evasão e fuga, ou quando se extinguir e forem substituídas por outras espécies alvo de predação. Novas estratégias para responder à deserção social podem se desenvolver em uma população quando a deserção se tornar mais comum. As danças de acasalamento ou as plumagens podem se tornar mais estilizadas e exageradas em uma determinada espécie, quando as fêmeas passarem a favorecê-las devido à maneira como reagem às danças ou às plumagens mais coloridas. Os sufixos e acentuação sintaticamente significantes em um idioma poderão se alterar à medida que os fonemas desse idioma passarem a ser escritos diferentemente pelos falantes do idioma em causa.
Os categorias naturais mais citadas nas discussões contemporâneas são as categorias químicas, como a água, ou os elementos físicos, como o ouro. Essas categorias se caracterizam por aglomerados razoavelmente ricos de propriedades que, individualmente ou conjuntamente, as distinguem de outras categorias genericamente semelhantes. Há que observar que as categorias copiadas, por contraste, podem ser caracterizados por aglomerações de propriedades relativamente escassas. Pode mesmo haver categorias copiadas que se caracterizam somente por uma “forma copiada” particular, uma função apropriada particular e um contexto histórico particular. Porém, os membros desses categorias copiadas serão caracterizados por combinações de propriedades que não se pode encontrar em membros de qualquer outra categoria copiada. (Assim, mesmo essas categorias copiadas satisfarão a exigência segundo a qual um indivíduo pertence à categoria natural a que pertence em virtude de suas propriedades, e nenhum indivíduo pode pertencer a duas categorias diferentes da mesma ordem.) Um exemplo ajudará a tornar clara esta idéia, e a dança de acasalamento do peixe espinhoso macho será um exemplo tão bom quanto qualquer outro. Uma dança que tenha somente aquela “forma”, aquela coreografia, poderá ter sido replicada em virtude do seu sucesso histórico em causar a replicação dos genes dos dançarinos somente quando realizada na presença de fêmeas dispostas a reagir libertando óvulos. Assim, aquela forma e aquela função apropriada podem ter-se combinado somente naquele contexto histórico; talvez a combinação se encontre somente nas danças de acasalamento de peixes espinhosos. Analogamente, uma dança com essa coreografia pode ter sido replicada por um mecanismo de cópia sensível ao sucesso, em virtude das suas interações históricas com fêmeas prontas para ovular, somente se aquilo em que a coreografia foi bem-sucedida consiste na liberação de láctea num momento propício. Essa forma copiada pode ter-se combinado com esse contexto histórico adequado somente se o sucesso causalmente responsável pela cópia redundasse no sucesso em replicar os genes do dançarino.
Assim, os membros de categorias copiadas se caracterizam por propriedades que se aglomeram precisamente do modo como sucede com as propriedades de categorias naturais com que estamos mais familiarizados. Temos, portanto, ao menos uma razão prima facie para considerar que uma alteração substancial ocorre aquando da criação ou destruição de um membro de uma categoria copiada — podemos dizer que os membros de categorias copiadas existem em bom rigor ontológico. Mas o que diz isso acerca do estatuto ontológico dos artefatos? Será toda a categoria de artefato para a qual há um categorial no uso comum — por exemplo, cadeiras e mesas e blusas — uma categoria copiada por direito próprio? Se não, o que marca a diferença entre os artefatos que podem ser admitidos em nossa ontologia e aqueles que devem ser tratados como meras projeções da nossa linguagem e cultura?
Nesta seção defendo e refino a tese de que as categorias de artefatos amplos e inclusivos têm menor probabilidade de constituir categorias copiadas genuínas, contrariamente ao que sucede com categorias mais especificamente delimitadas. Há uma menor probabilidade de as cadeiras formarem uma categoria copiada do que as cadeiras de escritório, e há uma menor probabilidade de as cadeiras de escritório o fazerem do que cadeiras de escritório Eames com o design de 1957. Mas isso não equivale a afirmar que sempre que uma categoria de artefato é uma versão específica de uma categoria mais ampla, somente acerca da mais específico há uma pretensão justificada de se tratar de uma categoria copiada genuína. Dado um mínimo de especificidade, ambas podem perfeitamente ser categorias copiadas genuínas. A diferença pode ser somente a de que a categoria mais específica se caracteriza por um aglomerado mais rico, mais interessante de propriedades.
As razões básicas em favor dessa posição são óbvias: dificilmente se pode afirmar que categorias tão amplas como aquelas a que as cadeiras e mesas pertencem têm, de todo, uma “forma” ou caráter qualitativo comum. Além do mais, não têm um contexto histórico apropriado bem definido: há cadeiras de sala de jantar, cadeiras elétricas, cadeiras de obstetrícia, cadeiras de praia. O desafio não está em encontrar razões para crer que as categorias de artefato têm de ser razoavelmente específicas para que as possamos qualificar como categorias copiadas. Aos invés, está em defender a afirmação de que um razoável grau de especificidade é suficiente — que nos casos em que uma categoria de artefato é uma versão específica de outra, a primeira nem sempre tem de usurpar a titularidade da segunda a ser uma categoria copiada. Pois suponha que uma categoria de artefato é uma versão específica de um artefato que pertence a uma categoria mais ampla, que ambas na verdade constituem categorias copiadas e que algum artefato é um membro de ambos. Suponha, para dar mais concretude, que uma cadeira é simultaneamente uma cadeira de escritório e uma cadeira de escritório Eames 1957. Parece então que nos deparamos com “o problema dos objetos coincidentes”. Exatamente onde aquela cadeira está localizada há um objeto que essencialmente tem a forma característica das cadeiras Eames, e um objeto que não tem essencialmente essa forma. Mas se um objeto A difere em suas propriedades essenciais do B, então A e B são distintos. Portanto, nesse local há dois objetos. Cada um deles é uma cadeira. Porém, se a cadeira de escritório de 10 kg e a cadeira Eames de 10 kg forem ambas postas numa balança — o que pode ser feito, mirabile dictu, com um só movimento — a balança indicará o valor 10 e não 20.
O problema dos objetos coincidentes, na verdade, estava de tocaia desde o início deste capítulo. É a principal razão de muitos metafísicos contemporâneos considerarem que os artefatos não existem realmente no mundo (veja Rea, 1997). Pois suponha — para esboçar o raciocínio desses filósofos — que um artesão transforma um grande amontoado de ouro numa estátua de Golias. Nesse caso, certamente o amontoado ainda existe e ocupa exatamente os limites da estátua. Mas o amontoado e a estátua diferem nas suas propriedades essenciais. A estátua tem a forma que tem essencialmente: se fosse achatada, deixaria de existir. O mesmo não sucede com o amontoado de ouro. Portanto, a menos que estejamos dispostos a aceitar a possibilidade de objetos distintos ocuparem exatamente o mesmo lugar que outros — e encarar a complicação de que, conjuntamente, os dois objetos pesam o mesmo que qualquer um deles por si só — um desses objetos deve ser excluído da nossa ontologia. Muitos metafísicos contemporâneos consideram que é a estátua que devemos excluir (e.g. Zimmerman, 1995).
Ora, o problema dos artefatos coincidentes me parece genuíno e retornarei a ele em breve. Já o problema da coincidência entre qualquer artefato e um objeto-matéria é outra questão. Por que razão temos de pressupor que há uma dada coisa y-matéria, dotada de um percurso espaciotemporal próprio, que presentemente compõe a estátua mas pode não o fazer mais tarde? Sem dúvida, a nossa ontologia tem de admitir materiais ou substâncias como o ouro. O ouro, como a água e o bronze, é aquilo que Aristóteles designou como “substância secundária”, ou seja, uma substância que por natureza ocorre em quantidades espacialmente localizadas. A nossa ontologia também tem de reconhecer os átomos individuais que compõem qualquer quantidade localizada de ouro, e as moléculas que compõem qualquer amostra de água. Mas que razão nos leva a afirmar que além de uma matéria da qual um artefato homogêneo é feito, há também um dado objeto que compõe esse artefato?
Que natureza devemos pensar que esse objeto-matéria tem — que características devemos pensar que marcam o seu percurso? Uma resposta é que o objeto é o agregado de átomos de ouro que presentemente estão no interior da estátua. Esse objeto-matéria, por natureza, sobrevive na medida em que os próprios átomos individuais continuarem a existir, nos locais onde justamente eles estiverem. Ao contrário da estátua, o agregado pode sobreviver ao desmembramento radical, mas igualmente ao contrário do que sucede com a estátua, não pode sobreviver à destruição de sequer um desses átomos. Uma resposta alternativa é que o objeto-matéria em questão é uma parcela de ouro, definida por ter exatamente aquela forma estatuesca. Quando até mesmo um pequeno fragmento é arrancado da orelha de Golias, a estátua, ainda que danificada, continua a existir, mas a parcela não existe mais.
Há também uma terceira resposta, uma resposta mais promissora, a qual avaliarei em breve. O problema com esses dois objetos-matéria iniciais é que, supõe-se, eles têm, essencialmente, propriedades que acabam por se revelar não-essenciais à luz de qualquer teste realista, remotamente plausível, de essencialidade (Elder, 1998). O teste que identifiquei anteriormente envolvia verificar se uma propriedade essencial particular dos X se aglomerava, em virtude das leis da natureza, com outras propriedades em grau suficiente para dar origem a um aglomerado que não se encontraria em lugar algum senão nos X. Ora, uma propriedade essencial de um objeto-agregado é (supostamente) a de que esse objeto é precisamente composto por, numericamente, aqueles átomos de ouro. Mas poderá a propriedade ser-composto-numericamente-por-aqueles-átomos-de-ouro ser algo a que se aplicam as leis da natureza de tal modo que outras propriedades ainda irão se aglomerar com ela? Não, pois as leis da natureza jamais se aplicam à mera identidade numérica, a ecceidades. Elas se aplicam às coisas em virtude de propriedades, circunstâncias ou relações que essas coisas têm ou em que se encontram — em virtude dos repetíveis. (O mesmo raciocínio mostra que a origem, i.e. resultar-numericamente-daquela-matéria, ou resultar-numericamente-daquela-fonte, tampouco pode ser essencial; retornarei a esse ponto em breve). Quanto à parcela de ouro coincidente com a estátua, dela se afirma que tem essencialmente a propriedade de ter exatamente aquela extensão ou tamanho ou massa. Mas, com raras exceções, tais como pilhas de Urânio-235, o fato de uma amostra de uma dada matéria ter precisamente um ou outro tamanho não faz qualquer diferença, à luz das leis da natureza, em termos de que outras propriedades essa amostra de matéria terá.
Assim, será que podemos conceber de um terceiro modo ainda o objeto-matéria que aparentemente coincide com Golias — como precisamente aquela amostra de ouro, aquela porção ou pedaço de ouro? As condições de persistência desse objeto-matéria seriam definidas de um modo mais brando do que as dos dois objetos iniciais; é certo que elas variam de acordo com os contextos conversacionais. Por vezes perguntar “Onde está agora aquela amostra de ouro? Será que ainda existe?” equivalerá a perguntar se noventa por cento dos átomos presentes na estátua original estão ou não ainda conglomerados, e por vezes somente equivalerá a perguntar se alguma percentagem deles ainda existe agora. A minha resposta é que todas essas questões são perfeitamente genuínas. Mas são questões acerca de muitos objetos, no plural — muitos átomos de ouro — e não questões acerca de um único objeto.
Simultaneamente, o problema de artefatos coincidentes parece perfeitamente genuíno. Artefatos que pertencem a uma categoria copiada não raro coincidem com artefatos pertencentes a outra categoria copiada — tipicamente outra categoria mais ou menos específica do que a anterior. Uma cadeira de escritório Eames, design de 1957, ocupa exatamente o mesmo volume que uma dada cadeira de escritório; e, como no exemplo de Sidelle (1998), um só pedaço de um enorme fio de lã, ele próprio um artefato, pode compor a totalidade de uma blusa. Como podem então dois artefatos distintos — que diferem, no fim das contas, em suas propriedades essenciais — estar completamente presentes exatamente no mesmo lugar?
A força dessa pergunta resulta da posição realista sobre a essencialidade, a qual é defendida tanto pelo presente capítulo como pelo projetivismo que aqui se ataca. Se a essencialidade está realmente lá fora nas coisas, ao que parece, uma coisa tem de ter essencialmente aquelas propriedades que lhe são essenciais estritamente em virtude da sua própria constituição material, de ser composta precisamente daqueles átomos. E assim se uma coisa A e uma B têm exatamente a mesma composição material, não podem diferir relativamente às suas propriedades essenciais.
Mas o que argumentei é que, no caso das categorias copiadas, a essencialidade pode estar lá fora nas coisas em virtude das histórias funcionais que subjazem às causas que produziram essas coisas. O longo pedaço de fio resulta de um processo de cópia que vem decorrendo há muito, perpetuado por gerações em virtude do sucesso que os seus produtos anteriores obtiveram ao compor meias e luvas e cordas, bem como blusas primitivas; a “forma” em virtude da qual o fio figura como produto desse processo envolve a sua fina espessura e a textura interior das fibras de lã, não a forma-de-blusa a que presentemente dá corpo. As cadeiras de escritório Eames resultam de um processo de cópia que teve origem muito depois de se copiar uma ou outra cadeira de escritório, e esse processo continuou devido a características especiais peculiares aos seus produtos — as suas formas exíguas e sinuosas, suas cores intensas, e assim por diante.
Uma vez que a cadeira de escritório Eames e a cadeira de escritório têm diferentes propriedades essenciais em virtude das suas diferentes histórias, e não em virtude de qualquer diferença na composição material, não surpreende que ao se colocar ambas na balança, esta indique ainda o valor “30”. As duas são compostas exatamente pela mesma matéria! Ora, é certo que essa resposta prolongaria as nossas dificuldades acerca dos objetos coincidentes em vez de resolvê-las, se a exprimirmos como a afirmação de que a parcela de matéria que compõe, por exemplo, a cadeira de escritório Eames também compõe a cadeira de escritório, ou se a exprimirmos como uma afirmação análoga acerca dos agregados de átomos que compõem ambas as cadeiras. Mas não temos de a exprimir desse modo. Podemos antes exprimi-la como a afirmação de que todos os átomos circunscritos aos limites da cadeira de escritório Eames se encontram circunscritos aos limites da cadeira de escritório, e vice-versa. (Poderão ter de ser feitos alguns ajustes, de modo a acomodar a vagueza das fronteiras de ambos os objetos. Mas isso será um reflexo do “problema da multiplicidade”, não do problema dos objetos coincidentes).
Em suma, a minha posição é a seguinte: as categorias de artefatos que em geral reconhecemos e são muito amplas ou inclusivas provavelmente não constituem categorias copiadas. As categorias de artefatos que em geral reconhecemos e são razoavelmente específicas muito provavelmente constituem categorias copiadas (direi algo mais sobre isso em seguida); e entre essas categorias razoavelmente específicas, as mais específicas serão em geral as categorias copiadas mais interessantes, que apresentam aglomerados mais ricos de propriedades características. As cadeiras de escritório Eames 1957 são uma categoria copiada mais interessante do que as cadeiras de escritório em geral. Ora, mas por que razão ao certo será isso assim? Ruth Millikan argumentou que para as ciências especiais, as “categorias históricas” são especialmente suscetíveis de sustentarem um conjunto mais rico de inferências indutivas (Millikan, 1999a). As “categorias históricas” são definidas como aquelas cujos membros não só têm semelhanças qualitativas entre si, como resultam de (numericamente) o mesmo processo histórico de cópia que os outros membros. Serão as cadeiras de escritório Eames 1957 uma categoria de artefato ricamente caracterizada porque todas têm origem numericamente nos mesmos originais, nos estúdios de Eames? Será em geral verdade que as categorias copiadas mais interessantes são categorias históricss?
Ao que me parece, a tese defendida por Millikan exprime distorcidamente uma verdade importante. Ao falar em categorias históricas, e não só em agrupamentos, ela sugere que haveria uma diferença na natureza essencial entre, digamos, uma cadeira de escritório Eames 1957 e outra cadeira qualitativamente muito similar, resultante de um processo histórico de cópia muitíssimo parecido ao que produziu a cadeira Eames. Mas essa diferença entre uma cadeira Eames genuína e a sua réplica seria uma diferença que não faz qualquer diferença, que não introduz qualquer outra propriedade em qualquer das cadeiras. As leis da natureza simplesmente não são sensíveis a identidades puramente numéricas. Pelo que o uso de “categorias” é um exagero.5 Mas há aqui uma verdade importante. Sucede que ao estudar categorias copiadas altamente específicas, devemos agir como se resultar precisamente daquele processo histórico de cópia (numericamente idêntico) fosse parte do que constitui a pertença àquela categoria. Porquanto desse modo centraremos o nosso estudo em itens individuais copiados que podem ter entre si semelhanças qualitativas que inicialmente não sabíamos procurar. Itens copiados que têm origem em (numericamente) os mesmos processos de cópia podem se assemelhar em muitos detalhes quanto ao contexto histórico apropriado, ou à “forma” qualitativa copiada, alguns dos quais não reconhecíamos de início.
Uma última palavra acerca de determinadas categorias de artefatos especificamente delimitadas. Copiamos uns dos outros, em parte consciente e em parte inconscientemente, milhares de pequenos detalhes do nosso comportamento pessoal — expressões peculiares, gestos corporais, estilos de vestuário, e artigos de ornamento pessoal. Muito desse copiar é inteiramente não-influenciado por qualquer história funcional que os itens copiados possam ter. Os mecanismos psicológicos e sociais que subjazem à cópia ou só em algumas ocasiões são sensíveis à funcionalidade ancestral — talvez sobretudo nos aspectos mais gerais e consequentes do comportamento — ou são distintos dos mecanismos que subjazem à cópia funcionalmente sensível de itens culturais. Em alternativa, na verdade, a cópia pode dar-se em virtude de haver uma função suprida pelo próprio copiar — por exemplo, afirmar a filiação num grupo — em vez de pelos itens copiados. Em todo o caso, certos artefatos familiares, como gravatas, sapatos de salto-alto e argolas de nariz muito dificilmente constituirão categorias copiadas. Os comportamentos de usar esses artigos pessoais podem se subsumir em categorias copiadas, mas o mesmo provavelmente não sucede com os próprios artigos.
A principal razão para isso é que os membros de um categoria copiada genuína têm uma forma característica — num sentido literal ou metafórico — e a replicação dessa forma depende causalmente de algo que os membros anteriores daquela categoria fizeram como consequência de terem aquela forma. Ora, as gravatas (por exemplo) têm literalmente uma forma típica: uma gravata tem tipicamente a forma de duas pipas alongadas, unidas pela cauda. Mas o que faz que essa forma seja replicada, em um nó de seda atrás do outro, não é qualquer tarefa que as gravatas anteriores, em razão da sua forma, tinham a disposição para realizar. As causas que produzem novas gravatas nada têm a ver com as tarefas que as gravatas anteriores, enquanto objetos físicos, realizaram. Essa é a razão pela qual as gravatas podem variar amplamente em largura, podem ter lados paralelos, podem ser feitas de uma grande variedade de materiais, e pela qual só acidentalmente serão corretas inferências a partir da forma das gravatas deste ano, acerca da forma das gravatas do próximo ano. Em contraste, os modos pelos quais as gravatas são colocadas ao pescoço, e as circunstâncias nas quais as gravatas colocadas desse modo se exibem, são na verdade questões acerca das quais podemos fazer inferências bem-sucedidas de modo não-acidental. A razão para isso é que aquilo que constitui uma categoria copiada genuína é o uso de gravatas. Esse uso tem uma “forma” física e social característica e são reproduzidos porque, no contexto histórico apropriado de um código de indumentária específico, proporcionaram aos seus agentes o acesso ou aceitação sociais. Ontologicamente, há materiais manufaturados como fios de seda e algodão, eles próprios categorias copiadas, que são substâncias secundárias no sentido aristotélico (cf. Grandy, 2007 e Bloom, 2007). Esses materiais existem em quantidades espacialmente localizadas, e entre estas há algumas com formas semelhantes a duas pipas alongadas e unidas pela cauda; e há o uso de gravatas. Isso é tudo. As porções de fios de seda ou algodão que satisfazem o categorial “gravatas” não têm propriedades essenciais distintas das de quaisquer outras parcelas desses materiais. Como qualquer porção semelhante, só são essencialmente caracterizadas pelas propriedades que são essencialmente características da seda e do algodão. Não equivalem a objetos-matéria unitários que traçam percursos espácio-temporais próprios.
Se há realmente no mundo exemplos de categorias copiadas, então há no mundo pelo menos alguns artefatos. Assim, qualquer filósofo que sustenta que os artefatos, em sentido ontológico estrito, não existem, tem de negar que há no mundo exemplos de categorias copiadas. Ao mesmo tempo, esse filósofo tem de aceitar que projetamos no mundo a existência de artefatos — a criação de artefatos, os percursos de existência que eles seguem, a destruição de artefatos. De acordo com esse filósofo, que elementos no mundo agem sobre nós de modo a causar essa projeção? As únicas respostas plausíveis devem mencionar os nossos costumes ou convenções ou práticas linguísticas. Mas o campo dos costumes, convenções e linguagens está repleto de categorias copiadas, como argumentarei brevemente agora. Se isso estiver correto, uma ontologia isenta de artefatos é incoerente.
Para começar, considere alguns costumes típicos. É tradicional entre muitos povos assinalar feriados nacionais com espetáculos públicos ou o entoar de canções patrióticas. Há modos tradicionais de se preparar refeições, há um costume de dormir uma siesta e há um costume de levar alimentos a casa de pessoas que recentemente ficaram de luto pela perda de um familiar. Não parece haver muito como duvidar de que pelo menos parte do que faz esses padrões de comportamento serem copiados de pessoa para pessoa, e de geração em geração, é alguma função que os padrões repetidamente, senão mesmo invariavelmente, serviram. Assim, esses padrões copiados não só têm uma “forma” característica, mas também, aparentemente, uma função apropriada. Não constitui objeção a esse argumento que diferentes padrões ou práticas poderiam também ter desempenhado a mesma função. Desde que estejamos certos de que os mecanismos que copiaram esses comportamentos os teriam copiado (talvez efetivamente os tenham copiado) em maior escala do que os comportamentos que não serviram função alguma, ou que não serviram tão bem a mesma função, ou que serviram a funções menos úteis, a atribuição de função apropriada está assegurada. Além disso, esses comportamentos costumeiros desempenham funções somente quando e conforme indexados a contextos tradicionais reconhecidos — feriados, refeições, membros da família do falecido — e podemos, portanto, dizer que têm contextos históricos apropriados. Pelo menos muitos costumes, ao que parece, são categorias copiadas.
Por contraste, chamar a um padrão mimético de comportamento “convenção” não raro equivale a sugerir que carece de uma função apropriada. Em países que não a Inglaterra, a Austrália e o Japão há a convenção de conduzir pelo lado direito da rodovia. Mas obviamente dirigir pelo lado direito não é intrinsicamente útil, nem dirigir pelo lado esquerdo é intrinsicamente uma prática pior. É uma convenção dizer “alô” quando se atende o telefone, estender a mão direita ao cumprimentar alguém, e designar uma cadeira como “uma cadeira” — mas em todos esses casos o conteúdo intrínseco do ato não confere por si mesmo qualquer benefício ou vantagem.6 Porém, concomitantemente a cada caso desse comportamento convencionalmente copiado há algo que tem uma função apropriada e é um membro de um categoria copiada. Esse mesmo comportamento é descrito relacionalmente — esse comportamento enquanto um copiar, enquanto replicação de comportamento convencional. Replicar a condução pela direita, quando a condução pela direita tem já o estatuto de comportamento difundido, copiado de pessoa em pessoa por longos períodos, é de fato extremamente útil. Replicar um som esperado proferindo “alô” — em oposição a produzir exatamente aquele som sem qualquer outra finalidade — é realmente útil. As ações de seguir convenções têm formas específicas, não raro têm funções apropriadas e contextos convencionais historicamente estabelecidos. Também elas são, portanto, categorias copiadas.
Finalmente, uma palavra acerca das práticas linguísticas. Tem havido um debate considerável sobre se a linguagem é regida por convenções e em que sentido isso seria assim (veja Millikan, 2003). Qualquer que seja o resultado desse debate, parece praticamente certo que ao menos algumas vezes alguns padrões linguísticos são copiados em consequência das funções que espécimes anteriores desses padrões desempenharam e que a cópia é indexada a contextos semelhantes aos dos espécimes anteriores. Se assim for, há no nosso comportamento linguístico espécimes de categorias copiadas: as cópias presentes têm uma “forma” característica, uma função apropriada e um contexto histórico apropriado.
Será que os categoriais pelos quais o discurso comum distingue os artefatos — por exemplo, “chaves-de-fendas”, “cadeiras de escritório” — designam categorias genuínas na natureza? Argumentei que pelo menos alguns o fazem. Designam categorias copiadas, cujos membros se caracterizam essencialmente por uma constituição ou “forma” qualitativa, uma função apropriada e um contexto histórico apropriado. Afirmar que essas propriedades são essenciais aos membros dessas categorias copiadas equivale a afirmar que se aglomeram em grupos distintivos em virtude do modo como os processos de cópia funcionam no mundo. Se aglomeram de um modo que é independente da mente, e não apenas porque temos a intenção de que objetos dotados de uma determinada constituição devem servir a uma determinada função, ou em virtude de o conceito que usamos para uma dada categoria de artefato unir forma e função. Não há uma junção na natureza entre os artefatos copiados por artesãos inteligentes e conscientes, tais como cadeiras de escritório, e os dispositivos produzidos por comportamentos naturalmente selecionados, tais como represas de castores (cf. Gould, 2007). O que está escrito no título deste capítulo é “artefatos”. O que está escrito no livro da natureza é categorias copiadas.7