O cume da tolerância alcança-se mais rapidamente por quem não sobe carregado de convicções.
Alexander Chase
A tolerância é uma virtude rara e importante. Tem os seus limites, mas estes são geralmente estabelecidos demasiado rigidamente e nos pontos errados. Considere-se a decisão de um juiz madrileno que indeferiu um requerimento, apresentado pela polícia da cidade, no sentido de ordenar às prostitutas da Casa de Campo que andassem mais vestidas. Ali, as prostitutas andavam insuficientemente vestidas com cintos de ligas, corpetes e mini-saias reduzidíssimas, o que o chefe da polícia considerava indecente; mas o juiz decidiu que, uma vez que se tratava do uniforme da profissão, tinham o direito de andar vestidas daquela maneira.
Foi um verdadeiro Daniel a proferir o juízo. A decisão é uma imagem da própria tolerância, e teria sido aplaudida pelo maior profeta da História desta virtude: John Stuart Mill. Na sua obra fulcral Sobre a Liberdade, escreveu: “A humanidade terá muito a ganhar deixando que cada qual viva como bem lhe parece, e não obrigando cada qual a viver como parece bem aos restantes”.
Esta observação tem várias implicações importantes. Define uma pessoa intolerante como alguém que deseja que os outros vivam como ela pensa que deveriam viver e que procura impor-lhes as suas próprias práticas e convicções. Diz que a comunidade humana beneficia ao permitir o florescimento de vários estilos de vida, pois representam experiências com as quais muito se poderá aprender sobre como lidar com a condição humana. E reitera a premissa de que ninguém tem o direito de dizer a outrém como ser ou agir, desde que esse ser e esse agir não prejudiquem terceiros. Estes são os princípios do liberalismo, palavra maldita entre os que pensam que, se não se mantiver um controlo rígido sobre os pensamentos e os instintos humanos, a Terra abrir-se-á e dela brotarão demónios.
Contudo, a tolerância é não apenas o fulcro como também o paradoxo do liberalismo. Isto é assim porque o liberalismo impõe a tolerância de perspectivas opostas e permite-lhes expressarem-se, deixando que a democracia das ideias decida qual deve prevalecer. O resultado é frequentemente a morte da própria tolerância, pois aqueles que se orientam por princípios rígidos e perspectivas intransigentes nas questões políticas, morais e religiosas silenciam sempre os liberais — se lhes for dada a menor oportunidade — uma vez que o liberalismo, devido à sua própria natureza, ameaça a hegemonia que desejam impor.
Assim, à pergunta “Deverá o tolerante tolerar o intolerante?”, deve-se dar em resposta um retumbante “Não”. A tolerância tem de se proteger a si própria. Pode fazê-lo facilmente, dizendo que todos podem expor um ponto de vista, mas ninguém pode obrigar os outros a aceitá-lo. A única coerção deve ser a da argumentação; a única obrigação, o raciocínio honesto. Helen Keller disse que “o resultado mais elevado da educação é a tolerância”, e tinha razão: pode-se confiar em que, na maioria dos casos, o raciocínio imparcial de um espírito informado favorecerá o bem e a verdade.
A intolerância é um fenómeno psicologicamente interessante, porque é sintomático de insegurança e medo. Os fanáticos que, se pudessem, nos obrigariam a agir em conformidade com o seu modo de pensar, poderiam fingir estar a tentar salvar a nossa alma, mesmo contra a nossa vontade, mas, na verdade, fá-lo-iam por se sentirem ameaçados. Os talibãs do Afeganistão obrigam as mulheres a usar véu, a ficar em casa e a desistir da sua educação e do seu emprego porque temem a sua liberdade. Os velhos tornam-se intolerantes para com os jovens quando ficam alarmados com a indiferença votada pela juventude ao que eles há muito conhecem e estimam. O medo gera a intolerância e a intolerância gera o medo: o ciclo é vicioso.
Mas a tolerância e o seu oposto não são apenas formas, nem sequer sempre, de aceitação e rejeição, respectivamente. É possível tolerar uma crença ou uma prática sem a aceitar. O que subjaz à tolerância é o reconhecimento de que o mundo é suficientemente vasto para permitir a coexistência de alternativas, e se nos sentimos ofendidos pelo que os outros fazem, é porque já nos deixámos envolver demasiado. Toleramos melhor os outros quando sabemos como tolerar-nos a nós próprios; aprender a fazê-lo constitui um dos objectivos da vida civilizada.