Personagens — Lázaro: defensor do livre-arbítrio; Daniel: defensor do determinismo; Carolina: defensora do compatibilismo.
Lázaro — Aí vem a Carolina. Talvez ela nos possa dizer o que pensa sobre o assunto.
Daniel — Olá, Carolina.
Carolina — Olá, Daniel. Olá, Lázaro.
Lázaro — Eu e o Daniel estávamos a falar do julgamento por assassínio do Leopoldo e do Carlos.
Carolina — É esse o julgamento no qual Clarence Darrow tentou persuadir o juiz de que os réus não deveriam ser condenados à morte por terem assassinado um miúdo?
Lázaro — É. O julgamento foi notícia por todo o país. Leopoldo e Carlos tinham apenas dezoito anos na altura e os seus pais eram bem conhecidos em Chicago, onde viviam.
Carolina — Porque é que o Leopoldo e o Carlos mataram o miúdo?
Lázaro — Queriam cometer o crime perfeito.
Carolina — E é tudo?
Lázaro — Sim. Foram a uma escola precisamente na altura em que as crianças estavam a sair, fizeram entrar no carro um rapaz que, por acaso, conheciam, deram umas voltas com ele, e depois deram-lhe com um cinzel na cabeça, de tal modo que ele sangrou até morrer no próprio carro. Depois disso, enfiaram o corpo do rapaz para dentro de um túnel situado fora da localidade.
Carolina — Que coisa horrível!
Lázaro — Também acho. Talvez tenha sido por isso que os jornais fizeram um grande espalhafato.
Carolina — Qual foi a estratégia de Darrow no julgamento?
Lázaro — Darrow defendeu que o juiz deveria ter compaixão dos dois jovens assassinos porque o seu acto foi o resultado de causas sobre as quais não tinham controlo. Deixa-me ler-te aquilo que ele realmente disse: “Eu não sei o que fez estes dois rapazes cometer este acto de loucura, mas sei que há uma razão para tal. Sei que eles não o engendraram. Sei que qualquer uma causa, de um número infinito de causas que vão até ao início, poderá ter determinado o espírito destes rapazes, que vocês devem condenar à morte por malícia, ódio e injustiça porque alguém, no passado, pecou contra eles”.
Carolina — Realmente, isso é uma estratégia arrojada para ser usada por um advogado de defesa!
Lázaro — Claro. Ouve o resto. “A natureza é forte e impiedosa. Ela funciona de um modo misterioso, e nós somos as suas vítimas. Não podemos fazer muito contra isso. A natureza faz o seu trabalho e nós fazemos a parte que nos compete”.
Carolina — Foi o juiz persuadido a reduzir a pena dos criminosos?
Lázaro — Parece que sim, eles foram condenados a prisão perpétua, apesar de haver grande pressão, por parte da opinião pública, para que a sentença fosse a pena de morte.
Carolina — O que pensam vocês da estratégia do Darrow?
Lázaro — Penso que é absurda, uma vez que se baseia na falsa crença de que tudo o que nós fazemos é determinado. Se isso fosse verdade, os dois assassinos não poderiam ter agido livremente, o que é, obviamente falso.
Daniel — Eu diria que a posição, defendida por Clarence Darrow, de que tudo o que nós fazemos está determinado, está correcta. Se isto quer dizer que os dois assassínios não agiram livremente, então é nisso que devemos acreditar.
Lázaro — E tu Carolina, o que dizes deste caso?
Carolina — Penso que a posição de Darrow, de que tudo o que nós fazemos é causado por acontecimentos prévios, está correcta. Mas também penso que somos livres e moralmente responsáveis por aquilo que fazemos.
Lázaro — Isso parece-me contraditório. Se estava determinado que eles matariam o miúdo, não percebo como poderiam eles tê-lo feito livremente.
Daniel — Já agora, por que não discutimos o tema do livre-arbítrio e do determinismo? Pode ser que consigamos resolver as nossas discordâncias.
Lázaro — Boa ideia. Queres ficar, Carolina?
Carolina — Claro, com prazer. Contudo, não me parece que o problema deva ser colocado apenas em termos de livre-arbítrio ou determinismo.
Lázaro — Então como pensas que o devemos colocar?
Carolina — Eu diria que há três questões principais: 1) Têm as pessoas livre-arbítrio? 2) é o determinismo verdadeiro? E 3), é o livre-arbítrio compatível com o determinismo?
Lázaro — A minha resposta a essas questões é que as pessoas têm livre-arbítrio, que o livre-arbítrio é incompatível com o determinismo, e, logo, que o determinismo é falso.
Daniel — O meu raciocínio é exactamente o oposto. Defendo que o determinismo é verdadeiro e, logo, que as pessoas não têm livre-arbítrio.
Carolina — Concordo contigo, Lázaro, quando afirmas que as pessoas têm liberdade, e contigo, Daniel, quando afirmas que o determinismo é verdadeiro, mas não julgo que as duas posições sejam contraditórias.
Lázaro — Talvez o melhor seja, antes de começarmos a discutir as nossas posições, definir “determinismo”.
Carolina — Boa ideia. A minha definição de “determinismo” é: “Tudo o que acontece tem uma causa”. Na terminologia da filosofia contemporânea isso é o mesmo que dizer que todo o acontecimento tem uma causa. Incluindo tudo o que fazemos, pensamos ou dizemos.
Lázaro — Por que usas essa definição e não “As pessoas não têm controlo sobre coisa alguma do que fazem”?
Carolina — Porque a questão de saber se temos ou não controlo sobre aquilo que fazemos é diferente da questão de saber se tudo o que fazemos é, ou não, causado. E também porque cada uma destas duas questões é diferente da questão de saber se temos controlo sobre tudo o que fazemos, mesmo que haja uma causa para tudo o que fazemos. Foi por isso que afirmei, anteriormente, que há três questões principais e não duas: 1) Temos, ou não, controlo sobre tudo o que fazemos? 2) Tudo o que fazemos é, ou não causado? E 3) podemos, ou não, ter controlo sobre o que fazemos mesmo que tudo aquilo que fazemos tenha uma causa? Podemos discutir estas três questões, separadamente, do mesmo modo que podemos atribuir três diferentes nomes às suas respostas — “livre-arbítrio” se respondermos “sim” à primeira; “determinismo” se respondermos “sim” à segunda; e “compatibilismo” se respondermos “sim” à terceira pergunta.
Daniel — Em geral, admite-se que o determinismo afirma que as pessoas não têm livre-arbítrio, ou não?
Carolina — Sim, provavelmente as pessoas pensam que isso é o determinismo. Mas eu penso que aquilo que o determinismo afirma deve ser claramente separado daquilo que ele pode, ou não, implicar. Saber se ele implica, ou não, o livre-arbítrio, é uma questão completamente diferente.
Lázaro — Estás a dizer que devemos definir “determinismo” de um modo relativamente neutro, por exemplo, através da afirmação: “Tudo o que acontece tem uma causa”; para discutirmos primeiro a verdade desta afirmação; e só depois saber se ela implica a negação do livre-arbítrio, certo?
Carolina — Certo.
Lázaro — Isso parece um bom procedimento.
Daniel — Vou começar por apresentar a razão pela qual acredito que tudo o que acontece tem uma causa. Penso que isto é verdadeiro porque há variadíssimos acontecimentos para os quais encontramos causas. Quer na nossa vida diária, quer na ciência, encontramos inúmeros casos de acontecimentos causados.
Lázaro — Podes dar alguns exemplos?
Daniel — Claro. O vento faz as árvores quebrarem-se. A chuva causa o crescimento das plantas. A fricção causa calor.
Lázaro — Podes dar exemplos que envolvam pessoas?
Daniel — Sim. A fome faz as pessoas comer. O stress causa nervosismo nas pessoas. E por aí fora. São imensas as coisas causadas que nós fazemos, de modo que não podemos fugir à conclusão de que tudo o que nós fazemos tem uma causa.
Carolina — Eu concordo.
Daniel — Além disso, o extraordinário sucesso da ciência em encontrar explicações faz com que seja quase impossível duvidar do determinismo. A biologia diz-nos que o tipo de pessoa que vamos ser é determinado hereditariamente. A sociologia diz-nos que muito daquilo que fazemos é determinado por factores culturais. A psicologia diz-nos que aquilo que nós somos enquanto adultos é determinado, em larga medida, por aquilo que nos aconteceu quando éramos crianças. A psiquiatria diz-nos que os nossos desejos conscientes são o produto de motivos inconscientes. A neurologia diz-nos que aquilo que fazemos é causado por acontecimentos electroquímicos no nosso cérebro. Todas juntas dizem-nos que tudo o que fazemos, dizemos, queremos ou pensamos é inteiramente produzido por acontecimentos prévios...
Lázaro — ...eu não penso que o determinismo seja verdadeiro...
Daniel — O que achas que está errado com o argumento?
Lázaro — Duas coisas. Em primeiro lugar, não acho que ele mostre que tudo o que nós fazemos esteja determinado. Em segundo, parece-me que ignora o facto de que existem dados concretos contra o determinismo.
Daniel — Pode explicar melhor esses dois pontos?
Lázaro — Sim. Começo com o primeiro. Ainda que vocês tenham razão quando afirmam que a ciência e as nossas experiências do dia-a-dia nos mostram que muitas das coisas que fazemos estão determinadas, isto não mostra que tudo esteja determinado. Afinal há muitos acontecimentos dos quais nós não conhecemos as causas...
Daniel — A Carolina e eu não estávamos a defender que já se tinham descoberto todas as causas. O que nós estávamos a dizer era que, a partir do facto de que muitas das coisas que nós fazemos são causadas, é legitimo inferir que tudo o que nós fazemos é causado. Nós fazemos constantemente raciocínios deste tipo. Por exemplo, inferimos que toda a erva no mundo é verde depois de vermos alguma erva verde...
Lázaro — Bom, isso parece-me ser nada mais do que uma esperança que não está solidamente fundamentada. Mas, além disso, ainda há o meu segundo ponto, nomeadamente, que há efectivamente dados contra o determinismo.
Daniel — Que dados são esses?
Lázaro — Os dados resultam das descobertas feitas pelos cientistas num ramo da física chamado “física quântica” ou “microfísica”. No início do século XX, os físicos começaram a estudar o comportamento dos electrões, dos fotões e de outras partículas subatómicas. O que descobriram foi que os fotões e os electrões se movimentavam ao acaso. Nada havia que explicasse a razão pela qual um fotão ou um electrão se movia de um determinado modo. Por exemplo, descobriu-se que os electrões por vezes saltavam de um órbita para outra sem uma causa aparente. E numa experiência na qual se disparavam fotões contra uma barreira com dois buracos, descobriu-se que era impossível explicar por que razão os fotões individuais entravam num buraco e não noutro...
Daniel — Qual é, para ti, o significado dessas novas descobertas?
Lázaro — Penso que a física quântica revolucionou a nossa visão da realidade. Antes, os cientistas pressupunham que todas as ocorrências eram causalmente explicáveis, mas agora a física quântica mostrou que esta suposição não é verdadeira.
Daniel — ... Eu sou muito céptico quanto a isso. A única coisa que a física quântica mostrou, pelo menos que eu saiba, é que nós não conhecemos as causas de certos tipos de ocorrências. Mas isto é muito diferente de dizer que se sabe que essas ocorrências não têm causas...
Carolina — ... Há um sério motivo para pensarmos que a liberdade é compatível com o determinismo. Os dados a favor do determinismo são tão fortes que não podemos deixar de acreditar neles. E a crença no livre-arbítrio é tão evidente que também não a podemos abandonar... Dizer que somos livres é dizer que não há pessoas ou circunstâncias externas que nos impeçam de fazer aquilo que queremos fazer. Afirmar que somos livres neste sentido é compatível com a afirmação de que o determinismo é verdadeiro.
Lázaro — Por que defines liberdade nesse sentido?
Carolina — Defino liberdade desse modo porque aquelas situações nas quais nós dizemos que uma pessoa é livre são situações nas quais nenhuma outra pessoa ou circunstância o impede de fazer aquilo que ela quer fazer. E naquelas situações nas quais dizemos que uma pessoa não é livre são situações nas quais há alguma pessoa ou circunstância que a impede de fazer aquilo que ela quer fazer. Um exemplo: supõe que, repentinamente, três pessoas agarram o meu braço impedindo que eu o possa mexer. Neste caso, eu não seria livre de coçar o meu nariz porque estava a ser impedida por eles.
Lázaro — ... Pensas que, nesse sentido de liberdade, todas as pessoas têm a mesma liberdade?
Carolina — Não. Algumas pessoas têm menos liberdade do que outras. As pessoas que vivem sob ditaduras militares tem menos liberdade do que as pessoas dos outros países. Nos Estados unidos da América, por vezes, os negros não podem obter o trabalho que gostariam por causa dos preconceitos dos brancos. Mas, ainda que algumas pessoas não sejam tão livres quanto outras, todos têm alguma liberdade, porque ninguém é forçado é fazer tudo aquilo que faz, e ninguém é impedido de fazer tudo aquilo que quer fazer.
Lázaro — ... Podes explicar como é que, pela tua definição de liberdade, uma pessoa pode ser livre e determinada?
Carolina — Sim. Uma pessoa pode ser livre e determinada porque aquilo que ela faz pode ser causado por algo que acontece dentro dela, mesmo que ela não seja forçada por circunstâncias exteriores para agir de um certo modo. Se ela não é forçada a agir por circunstâncias exteriores, então age livremente. Ainda que a sua acção possa ser causada por algo interior, como, por exemplo, um motivo inconsciente ou um estado mental.
Daniel — Vamos considerar a questão da responsabilidade moral?
Lázaro — Sim, façamos isso. Começarei por descrever o problema que o determinismo enfrenta. Aquilo que temos que fazer é explicar como as pessoas podem ser moralmente responsáveis por aquilo que fazem se tudo tem uma causa.
Daniel — Podes explicar por que pensas que isso é um problema para o determinista?
Lázaro — Claro. Se, como tu afirmas, tudo aquilo que fazemos tivesse uma causa, então nada daquilo que fazemos poderia ser diferente. E se nada daquilo que fazemos poderia ser diferente, então não seríamos moralmente responsáveis por coisa alguma que fazemos. Para sermos moralmente responsáveis por algo tem de haver mais do que uma coisa que possamos fazer. ... Concordas com estas afirmações?
Daniel — Sim.
Lázaro — Então segue-se que não somos moralmente responsáveis por coisa alguma que fazemos se tudo o que fazemos tem uma causa.
Daniel — Sim, concordo. O determinismo e a responsabilidade moral são incompatíveis. Uma pessoa não pode consistentemente acreditar nas duas. Mas isso não constitui um problema para o determinista a não ser que existam razões decisivas para se pensar que nós sejamos de facto moralmente responsáveis por aquilo que fazemos.
Lázaro — Não, não podemos fazer isso, porque há razões decisivas para acreditar na responsabilidade moral.
Daniel — A minha resposta a isso é dizer que os indícios a favor do determinismo são tão fortes que devemos acreditar nele mesmo que isso signifique negar a responsabilidade moral. Aquilo que pensas serem boas razões para acreditar na responsabilidade moral na realidade não são boas razões, porque os indícios a favor do determinismo mostra que não somos moralmente responsáveis por coisa alguma que fazemos.
Lázaro — Isso é, certamente, uma posição extrema. Vai contra aquilo em que quase todas as pessoas acreditam acerca da natureza humana, e vai contra factos claros e evidentes que mostram que somos moralmente responsáveis.
Daniel — A que factos é que te referes?
Lázaro — Refiro-me ao louvor, à censura, à recompensa, ao castigo, à culpa, ao remorso, ao sistema de justiça criminal e à moralidade. Tudo isto pressupõe que sejamos moralmente responsáveis por aquilo que fazemos.
Daniel — Não, isso não está pressuposto. Tudo isso faz sentido mesmo que tudo aquilo que nós fazemos seja causado por acontecimentos sobre os quais não temos controlo e mesmo que não sejamos moralmente responsáveis por nada daquilo que fazemos.
Lázaro — Não vejo como é que isso possa ser verdadeiro. Não faz sentido culpar ou punir alguém por uma certa acção a não ser que ele seja moralmente responsável por essa mesma acção. E não faz sentido julgar as acções de uma pessoa como certas ou como erradas, a não ser que ela tenha controlo sobre essas mesmas acções. Como é que podes negar estas verdades óbvias?
Daniel — Não penso que sejam tão óbvias quanto isso. De facto, penso que são falsas. Aquilo que se pretende ao culpabilizar e punir as pessoas é dissuadi-las, de modo a que não prejudiquem outras pessoas, e proteger as outras pessoas de serem prejudicadas. Mais: a moralidade não é nada mais do que um sistema de preferências e de não-preferências (prazer, desejos e aversões). Uma vez que a persuasão, a protecção, as preferências e as não-preferências são todas compatíveis com o determinismo e com a negação da responsabilidade moral, segue-se que a culpa, a punição e a moralidade são todos compatíveis com o determinismo e com a negação da moralidade.
Lázaro — Podes explicar isso mais detalhadamente?
Daniel — Sim. Começo com o primeiro ponto. Quando culpamos alguém por essa pessoa ter feito algo de errado, ou quando castigamos alguém por ter infringido a lei, fazemo-lo porque queremos, por um lado, impedir que essa pessoa o volte a fazer e, por outro, porque queremos impedir que outras pessoas façam o mesmo. Quando elogiamos alguém por ter feito algo de bom ou o recompensamos por ter feito algo de benéfico para a sociedade, fazemo-lo porque queremos encorajá-lo, a ele e aos outros, a fazer o mesmo. Estes motivos são a razão pela qual julgamos as pessoas que infringiram a lei; e são a razão pela qual educamos os nossos filhos e os elogiamos as suas boas acções.
Lázaro — Como é que isso refuta a minha afirmação de que a culpa e o castigo só fazem sentido se as pessoas forem moralmente responsáveis por aquilo que fazem?
Daniel — Encorajar as pessoas para agir de um certo modo, tentar modificar os seus padrões de comportamento, e impedi-los de magoar as outras pessoas, não pressupõe que as pessoas sejam moralmente responsáveis por aquilo que fazem. Estas acções pressupõem apenas que há uma forte probabilidade de que o sujeito a quem elas se dirigem seja forçado a agir de outro modo. É por isso que é não de todo absurdo culpar uma pessoa pelos seus delitos, e é por isso que é absurdo culpar uma pedra por ter partido uma janela, apesar de nem a pessoa nem a pedra serem moralmente responsáveis por aquilo que fazem. Tudo o que isto significa é que a culpa, o elogio, e o castigo fazem sentido mesmo que tudo aquilo que fazemos seja causado por acontecimentos sobre os quais nós não temos controlo, e mesmo que nós não sejamos seres moralmente responsáveis.
Lázaro — Parece-me que discordarias da estratégia de Clarence Darrow de utilizar o determinismo para tentar salvar os seus clientes de serem enforcados.
Daniel — Claro, tens razão. Ainda que concorde com a crença de Darrow no determinismo, eu não penso que o determinismo possa ser usado como uma desculpa para evitar a culpa e o castigo.
Lázaro — Concordo contigo quando afirmas que utilizamos a culpa e o castigo para fazer as pessoas mudar o seu comportamento e para proteger as outras pessoas do mal que lhes possa ser infligido. Mas, se isso é tudo o que queremos fazer quando culpamos e castigamos as pessoas, então penso que te esqueces de uma condição crucial para a legitimação do seu uso.
Daniel — A que condição te referes?
Lázaro — A condição que nos diz que uma pessoa deve ser culpada e condenada por uma determinada acção apenas se a puder evitar. Supõe, por exemplo, que uma pessoa é forçada, porque tem uma arma apontada à cabeça, a conduzir o carro da fuga de um assalto a um banco. Ou supõe que uma pessoa, acidentalmente, tropeça noutra e que esta, em resultado do choque, parte um braço. Em nenhum destes casos a pessoa poderia evitar a sua acção. Por conseguinte, em nenhum dos casos seria legítimo culpar essa pessoa e afirmar que o que ela fez é moralmente condenável. Nem seria legítimo acusar a pessoa do primeiro exemplo por cumplicidade no assalto a um banco, assim como não seria legítimo acusar a segunda pessoa de agressão. Esta condição é tão amplamente aceite que qualquer concepção de culpa e castigo que a negue deve ser seriamente questionada. Deves notar, também, que a condição da acção evitável torna a culpa e a punição incompatíveis com o determinismo. Se o determinismo fosse verdadeiro, então nada daquilo que fazemos poderia ser diferente; tudo aquilo que fazemos teria de ser feito e não poderia ser evitado. Assim, se o determinismo fosse verdadeiro, a culpabilização e o castigo deveriam ser abandonados uma vez que violariam o requisito da acção evitável.
Daniel — Concordo contigo quando dizes que o determinismo implica que nada daquilo que fazemos pode ser evitado. Mas isto não significa que a culpa e o castigo deveriam ser abandonadas, e isto porque o princípio da acção evitável não é um requisito necessário para legitimar a culpa e o castigo. Os únicos requisitos são os seguintes: que o comportamento em questão seja indesejável; e que a culpabilização ou a punição ajudem a prevenir esse tipo de comportamento. Estes requisitos não são satisfeitos nos teus dois exemplos, e não o são porque em nenhum dos casos a culpabilização e o castigo ajudam a prevenir as pessoas de fazerem essas coisas. Por exemplo, nós não punimos alguém que, acidentalmente, tropeça e derruba outra pessoa, precisamente porque a culpabilização a e a punição não o impediriam, a ele ou a qualquer outra pessoa, de tropeçar novamente. Por contraste, a culpabilização e o castigo impediriam as pessoas de, deliberadamente, derrubar outras pessoas...
Lázaro — O que pensas disto tudo Carolina?
Carolina — Penso que não é necessário, para defender o determinismo, afirmar tudo aquilo que o Daniel diz. Julgo que uma pessoa pode acreditar no determinismo, como eu acredito, sem ter de negar a responsabilidade moral, como faz o Daniel.
Lázaro — é um ponto de vista interessante.
Carolina — Concordo com o Daniel quando ele afirma que os indícios a favor do determinismo são de tal modo fortes que temos de acreditar que o determinismo é verdadeiro. E concordo contigo, Lázaro, quando dizes que a legitimidade da culpa, do castigo e da moralidade mostra que somos responsáveis por aquilo que fazemos. Nem o determinismo, nem a responsabilidade moral podem ser negados sem que se neguem também factos evidentes.
Lázaro — Depreendo que acreditas que a responsabilidade moral é compatível com o determinismo, certo?
Carolina — Sim. Uma pessoa pode acreditar em ambas sem se contradizer.
Lázaro — Gostaria que te explicasses melhor, pois parece-me haver aí uma contradição. O determinismo implica que as pessoas não podem agir de modo diferente daquele que agem, e a responsabilidade moral pressupõe que as pessoas podem agir de forma diferente daquela que de facto agem.
Carolina — Concordo contigo quando dizes que a responsabilidade moral pressupõe que as pessoas podem agir de modo diferente, mas não penso que essa possibilidade entre em conflito com o determinismo. O que queremos dizer quando afirmamos que podemos agir de modo diferente daquele que realmente agimos é apenas que nenhuma pessoa ou circunstância nos força a agir ou nos impede de fazer algo diferente. Mesmo que as nossas acções sejam causadas pelas nossas crenças, desejos ou escolhas, isto não significa que a tal tenhamos sido forçados.
Lázaro — Por que é que defines “a capacidade de agir de outro modo” dessa forma?
Carolina — Defino-a assim porque é assim que, normalmente, a entendemos. Por exemplo, um assaltante de um banco que poderia não ter assaltado o banco é alguém que não foi forçado agir dessa maneira... É este sentido típico da “capacidade de agir de outro modo” que é necessário para haver responsabilidade moral e que é compatível com o determinismo.
Lázaro — Podes explicar isso melhor?
Carolina — Claro. As nossas acções podem ser causadas pelas nossas crenças, desejos e escolhas e, ao mesmo tempo, não serem forçadas por nenhuma pessoa ou circunstância. O exemplo do ladrão de bancos é esclarecedor. Ele poderia não ter assaltado o banco uma vez que ninguém o forçou a isso, no entanto, a acção de assaltar o banco foi causada pela sua crença de que poderia escapar e pelo seu desejo de ficar rico. Ele é moralmente responsável por aquilo que fez, ainda que a sua acção tenha sido causada...