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Crítica
16 de Julho de 2006   Ética

Moore e os intuicionistas contra o naturalismo

Matheus Martins Silva

Este artigo aborda uma importante discussão em metaética: o debate entre os partidários do intuicionismo moral e os naturalistas. Num primeiro momento, apresentamos brevemente o naturalismo e as objeções mais frequentes dirigidas a esta teoria, mais especificamente as críticas de Moore com o seu “Argumento da Questão em Aberto”. Num segundo momento, apresentam-se diversas objeções naturalistas a esse argumento e réplicas não-naturalistas a essas objeções. Para concluir, fazem-se observações sobre a plausibilidade das teorias em debate.

1. Introdução

Antes de tudo, cabe explicitar alguns conceitos importantes. A metaética é a disciplina que investiga os fundamentos e a natureza da própria ética. A metaética não pretende nos dizer quais ações são boas ou como devemos agir, pois a resposta dessas questões é o objetivo da ética normativa (Miller, 2005). A metaética lida com questões sobre essas questões: qual é o estado motivacional de alguém que faz um juízo moral? Que tipo de conexão há entre fazer um juízo moral e agir de acordo com as prescrições desse juízo? Será que o juízo moral é apenas uma expressão de atitudes ou será que os juízos morais são crenças? Existe conhecimento moral? Se existe conhecimento moral, como sabemos quando um juízo moral é verdadeiro ou falso? Será que existem valores morais objetivos ou os princípios que norteiam nosso agir moral são apenas invenções sociais, juízos que em última instância não passam de convenções? Afinal, a ética é uma invenção ou uma descoberta?

As propostas em metaética são diversificadas e tanto tendem para o realismo — a idéia de que os valores morais existem objetivamente e não dependem de nossas opiniões sobre eles — como para o anti-realismo. Os realistas admitem necessariamente o cognitivismo, que é a tese de que os juízos morais são afirmações, podendo ser verdadeiros ou falsos. Além disso, os realistas estão comprometidos com a idéia de que pelo menos alguns juízos morais são verdadeiros. Já os anti-realistas podem ser cognitivistas, e nesse caso sustentam que todos os juízos morais são falsos, ou podem professar o não cognitivismo, a idéia de que os juízos morais não são verdadeiros ou falsos e têm outra função que não a de veicular conhecimento (Miller, p. 3). Neste artigo, as duas propostas apresentadas, naturalismo e intuicionismo, são ambas realistas, diferindo de posição apenas no que concerne à natureza dos fatos morais.

2. O naturalismo e o “Argumento da Questão em Aberto”

O naturalismo ético é uma versão de realismo que declara que os valores morais podem ser identificados com uma dada propriedade natural ou reduzidos a uma propriedade dada natural. Para o naturalista, propriedades morais tais como bondade e correção são idênticas a propriedades que figuram nas descrições e explicações científicas das coisas. Para o naturalista, a moralidade não é uma convenção passível de ser descartada, mas um corpo de conhecimento. Existem verdades morais, mas não há fatos morais peculiares além dos fatos que podem ser especificados por meio de terminologia não-moral (Pidgen, 1993).

Um defensor dessa posição é Richard Boyd (1988), que defende que a propriedade de ser bom é a propriedade de conduzir ao predomínio de um grupo complexo e homeostaticamente organizado de propriedades de coisas que satisfazem necessidades humanas importantes. Para fins de exposição podemos adotar uma definição naturalista mais simples — alguém poderia dizer, por exemplo, que bom é aquilo que produz prazer (esta é a via seguida pelos utilitaristas, nomeadamente John Stuart Mill).

Uma das vantagens das teorias naturalistas é que a partir delas a ética é passível de conhecimento: podemos conhecer os fatos moralmente relevantes pelos mesmos meios sensoriais comuns que utilizamos para conhecer os fatos naturais — afinal de contas, os fatos moralmente relevantes são, em última instância, apenas os fatos naturais. Ao dizermos que o bom é aquilo que produz prazer, por exemplo, poderíamos tentar constatar essa afirmação observando o que dá prazer às pessoas. Contudo, a despeito dessa plausibilidade inicial, o naturalismo foi alvo de inúmeras críticas e enfrenta uma série de dificuldades.

Um de seus maiores críticos foi George Edward Moore (1873–1958). Em uma obra que influenciou decisivamente as reflexões da metaética do século XX, Principia Ethica (1903), Moore chegou à conclusão de que é impossível fornecer uma definição do predicado “bom”, pois “bom” seria uma qualidade simples, indecomponível e não analisável (Moore, 1903, parágrafos 7 e 9). Mais do que isso, Moore concluiu que todos os filósofos que o antecederam incorreram no que ele denominou de “falácia naturalista”, pois todos tentaram definir “bom” em termos de algo mais, quando na verdade qualquer tentativa de definir o predicado “bom” estaria fadada ao fracasso. Moore não pretende dizer que não podemos saber que coisas são boas (para ele, a amizade e a contemplação da beleza, por exemplo, são coisas boas), mas sim que o predicado “bom”, que exprime aquela qualidade que atribuímos a uma coisa quando dizemos que ela é boa, não admite qualquer definição.

Em sentido estrito, o termo “falácia naturalista” é inadequado, já que Moore visa tanto atacar a pretensão de definir o predicado “bom” como a tentativa de identificar o predicado “bom” com uma propriedade natural ou metafísica. No entanto, se os argumentos de Moore se aplicam ou não a definições metafísicas de “bom” não será objeto de exame nesse artigo — o que nos interessa aqui é saber se o predicado “bom” pode ou não ser identificado com uma propriedade natural. De seguida, irei abordar discussões posteriores do argumento, a partir do embate entre naturalistas e intuicionistas.

Propostas metaéticas como as de Moore são chamadas de “intuicionistas” porque defendem que as propriedades morais, a despeito de não serem acessíveis à investigação empírica, seriam acessíveis por intuição moral. Intuir algo é apreendê-lo diretamente, sem necessidade de algum processo de raciocínio, como a dedução, por exemplo (Frazier, 1998). Assim o intuicionismo em ética propõe que, por intuição, podemos reconhecer certas proposições morais como auto-evidentes. Outra característica das doutrinas intuicionistas é a aceitação da autonomia da ética: associada ao realismo moral, a tese da autonomia da ética propõe que os fatos morais não podem ser explicados ou reduzidos a termos não éticos. Esta última tese já é o bastante para entendermos o enorme desacordo que separa intuicionistas e naturalistas. Para os naturalistas, um fato moral irredutível é algo que não existe.

O Argumento da Questão em Aberto

O objetivo do Argumento da Questão em Aberto (AQA) é demonstrar que as definições naturalistas de “bem” têm de estar sempre erradas (Moore, 1903, parágrafo 13). O seu argumento pretende mostrar que qualquer que seja a definição que se dê ao predicado “bom”, é sempre possível perguntar se um ato que possui as propriedades oferecidas pela definição é realmente bom, sem que a pergunta seja sem sentido ou despropositada. A questão “O triângulo é uma figura com três lados?” é fechada, por oposição à questão “O bom é X?”, no sentido em que a primeira pergunta é susceptível de resposta definitiva, dado que a negação da proposição em causa (x é um triângulo mas não tem 3 lados) é uma falsidade conceptual, ao passo que “x é bom mas não dá prazer” não é uma falsidade conceptual. Se alguém que sabe o que é um triângulo perguntasse “Isso é um triângulo, mas tem três lados?”, estaria fazendo uma pergunta completamente irrazoável, pois o conceito de triângulo é fechado: porque sabemos que todo o triângulo tem três lados, ninguém em sã consciência faria tal pergunta. Contudo, o mesmo não se aplica às definições naturalistas de bom. Vale ressaltar que o que Moore entendia por propriedade natural é qualquer propriedade cujo estudo compete às ciências naturais ou à psicologia.

Tomemos como exemplo a definição de “bom” como aquilo que produz prazer, uma típica propriedade natural. O problema é que sempre que nos depararmos com a referida propriedade será lícito ainda perguntar: “Isso produz prazer, mas é bom?” A questão é aberta, pois nos parece sempre razoável perguntar se aquilo que produz prazer é realmente bom, o que é uma afirmação significativa. Mas se aquilo que produz prazer fosse idêntico ao que é bom poderíamos também perguntar: “Isso produz prazer, mas produz prazer?” Assim, dizer que “X é bom porque produz prazer” seria o mesmo que dizer “X produz prazer porque produz prazer”. Contudo, quando alguém define bom como aquilo que produz prazer, é claro que não pretende que essa definição seja uma tautologia. O mesmo argumento pode ser aplicado a qualquer tentativa de identificar o bem com outra propriedade. Isso levou Moore a concluir que não é possível uma definição de bom ou de qualquer outra propriedade moral.

3. As objeções naturalistas ao argumento de Moore

A objeção da circularidade

Um das principais objeções contra o Argumento da Questão em Aberto é a de que este seria circular (Frankena, 1939). Será que para qualquer propriedade X a questão “Isso é X, mas é bom?” será sempre uma questão aberta? A resposta é sim, se a definição X em questão for má. Se a definição for boa, então a questão será tão fechada como perguntar “Isso é um triângulo, mas tem três lados?”. Sabemos que a questão será fechada porque todo triângulo tem três lados. Do mesmo modo, não poderemos dizer que uma coisa produz prazer, mas não é boa, sem nos contradizermos. Isso só seria possível se a definição em questão fosse má, mas se for uma boa definição, cairemos em contradição ao fazer a pergunta. As definições naturalistas somente seriam falácias quando as propriedades em questão fossem distintas, mas é exatamente isso que está sob disputa. Portanto o argumento é uma petição de princípio, que pode ser resumido do seguinte modo:

  1. Só poderíamos apelar para as nossas intuições de que a questão é aberta se as nossas intuições fossem bem fundadas.
  2. Mas para que essas intuições sejam bem fundadas o naturalismo tem de ser incorreto.
  3. Portanto, só podemos recorrer à questão em aberto para demonstrar o erro do naturalismo se já tivermos estabelecido que o naturalismo é incorreto, o que é um raciocínio circular.

Uma resposta a essa objeção é que o aspecto importante do argumento não é a questão em causa estar ou não em aberto, mas sim a questão parecer estar ou não em aberto para qualquer falante comum que utilize os conceitos morais (Ball, 1988). O argumento na verdade retiraria a sua força das nossas intuições comuns, que nos dá indícios de que o que produz prazer e o que é bom seriam duas coisas bem diferentes. Neste caso, o que o argumento pretende dizer é que a qualquer falante comum parece razoável perguntar se algo que produz prazer é bom, mas parece despropositado perguntar se um triângulo tem três lados. Assim o AQA escaparia da acusação de petição de princípio, embora perca muito de sua força. Nessa reformulação, o AQA apresentaria apenas uma conjectura contra o naturalismo, já que sua idéia principal é a seguinte:

  1. Acharíamos natural guiar a nossa prática de acordo com uma análise que seja informativa e esclarecedora.
  2. Um falante que utilize os conceitos morais de forma competente pode, mesmo após reflexão conceitual, não achar natural guiar sua prática de juízos de valor a partir da definição naturalista.
  3. Portanto, a definição naturalista é incorreta.

Os naturalistas, por sua vez, objetam que é preciso mais para demonstrar que essas intuições comuns não passam de uma ilusão ou até mesmo um resquício não reconhecido de crença religiosa. Além disso, o naturalista pode replicar que se o naturalismo é correto, então qualquer um que não pense ser natural guiar sua prática pela análise naturalista, mesmo após reflexão conceitual, não está utilizando de modo competente os conceitos relevantes em questão. Contudo, essas respostas têm um inconveniente caráter ad hoc e não fazem justiça à reformulação do AQA.

O que Moore parecia ter em mente é que termos morais como “bom” têm uma característica intrinsecamente motivadora, que é seu elemento prescritivo. O que coloca em suspeita o naturalismo, mesmo após todas as réplicas de seus defensores, é justamente a ausência desse elemento. Portanto, ainda parece haver uma conjectura contra o naturalismo, já que ele ignora esse aspecto semântico da ética. No que se segue, veremos como essa conjectura atinge apenas uma versão de naturalismo, o semântico, que sustenta que “bom” é equivalente a uma propriedade natural, mas que essa é uma verdade analítica, uma questão de definição.

O naturalismo sintético e o alcance do Argumento da Questão em Aberto

Uma forte objeção naturalista é que o argumento de Moore não consegue estabelecer a autonomia do juízo ético e a falsidade do naturalismo. Na melhor das hipóteses, apenas demonstra um aspecto semântico que diferencia os juízos que contêm termos morais dos que não contêm — dizer “X é bom” contém um elemento de normatividade, mas dizer “X dá prazer” não contém. Mas isto apenas demonstraria a falsidade do naturalismo semântico, o que não tem muita importância. O naturalismo sintético, por exemplo, resiste à essa crítica, pois identifica o bem com uma propriedade natural, mas acrescenta que essa identidade é sintética e não apenas uma questão de definição.

Podemos ilustrar melhor essa versão do naturalismo com um famoso exemplo de Frege acerca de dois elementos na constituição do significado: sentido e referência. Ele utilizou o exemplo da Estrela da Manhã e da Estrela da Tarde (Miller. p 17). Sabemos hoje que o corpo celeste que é visto ao amanhecer (Véspero) e o corpo celeste que é visto ao entardecer (Fósforo) são o mesmo, pelo que os termos “Estrela da Manhã” e “Estrela da Tarde” têm a mesma referência. Mas dizer que a Estrela da Manhã é a Estrela da Tarde é informativo — porquê?

A resposta de Frege é que Véspero e Fósforo têm a mesma referência, mas sentidos diferentes. Os nomes respectivos possuem sentidos diferentes, mas podemos descobrir que possuem a mesma referência, porque podemos compreender o sentido de uma expressão sem saber sua referência. Eu compreendo o sentido da expressão “O vencedor do próximo Prêmio de Ensaio Filosófico Vasco Magalhães”, mas não sei quem é a pessoa mencionada na expressão, isso é algo que tenho de descobrir. Do mesmo modo, dirá o naturalista, podemos aplicar a distinção sentido-referência ao caso das definições naturalistas de “bem”. O argumento de Moore parece pressupor que se dois termos têm a mesma referência, então têm o mesmo sentido; mas um naturalista poderia dizer que os termos “maximiza o prazer” e “é bom” têm a mesma referência, embora tenham sentidos diferentes.

Tanto o fato de que Véspero é Fósforo como o fato de que a água é H2O não podem ser descobertos pela simples análise dos termos envolvidos, pois são identidades não-analíticas, que só podemos descobrir fazendo ciência. Uma questão como “É a Estrela da Manhã a Estrela da Tarde?” permaneceu em aberto por muitos séculos, mas hoje sabemos que são estrelas idênticas. E podemos razoavelmente perguntar se água não é H2O, mas isso não demonstra que água não é H2O. De maneira análoga, o naturalismo sintético propõe que o predicado “bom” pode ser idêntico a uma propriedade natural, mas isso não é algo que vamos descobrir apenas consultando as intuições lingüísticas dos falantes. Assim, o argumento de Moore levanta uma conjectura contra o naturalismo semântico, mas isso não é muito relevante. O AQA apenas mostra que se as propriedades morais são idênticas a propriedades naturais, não o são por definição analítica (Harman, 1977, Cap. 2). Os intuicionistas, por sua vez, formularam um novo argumento para refutar tanto o naturalismo semântico como o naturalismo sintético, o chamado “argumento da Terra Gêmea Moral”. Por razões de espaço não vou apresentar esse argumento e suas possíveis objeções. Para fins de exposição, basta afirmar que o Argumento da Terra Gêmea Moral enfrenta o mesmo problema do Argumento Clássico da Questão em Aberto: é um raciocínio circular. O argumento só funciona se aceitarmos que as nossas intuições sobre a Terra Gêmea são bem fundadas (para mais detalhes, veja-se Horgan e Timmons, 1992 e Miller, 2005, pp. 162–168).

Outro argumento freqüentemente utilizado contra as definições naturalistas, tanto por não-cognitivistas como por intuicionistas, é conhecido como “a lei de Hume” (Hume, 1740, Livro III, Parte I). O argumento, que na verdade é uma interpretação da passagem do livro de Hume, avança a tese de que conclusões morais não podem ser derivadas de premissas não-morais — não podemos derivar “deve” de “é”. Como não podemos derivar valores de fatos, o naturalismo é falso, conclui o argumento.

Essa conclusão é estranha, uma vez que o próprio Hume foi um naturalista. De fato, esse argumento apenas demonstra um aspecto conservador da lógica: uma conclusão que contenha o termo “deve” não pode ser válida e não trivialmente derivada de premissas que não contêm o termo “deve”. Por conseguinte, se “deve” aparece na conclusão de um argumento, mas não nas premissas, a inferência não é logicamente válida. A lacuna entre “deve” e “é” não se dá por uma diferença ontológica (isto é, factual) entre juízos morais e proposições não-morais, mas por uma questão de lógica.

Outro argumento, este contrário ao argumento da questão em aberto, ficou conhecido como “Argumento da Análise Não-Interessante”, que pretende demonstrar que a estratégia do AQA pressupõe que é impossível que uma análise conceitual seja verdadeira, mas informativa e interessante ao mesmo tempo. A análise informativa de qualquer conceito sempre acabaria por nos remeter a uma questão em aberto. Mas isso é um erro, pois de fato a análise conceitual pode ser informativa e interessante. Portanto, deve haver algo de errado com o AQA. Moore, por sua vez, replicou a essa objeção insistindo que de fato é impossível que qualquer análise seja correta e ao mesmo tempo informativa e interessante. Esse último argumento ficou conhecido como “Paradoxo da Análise” (para mais detalhes, veja Smith, 1994, secção 2.7).

4. Observações finais

A obra de Moore foi uma contribuição decisiva para as reflexões metaéticas do século XX. Publicado pela primeira vez em 1903, Principia Ethica influenciou até mesmo correntes de pensamento anti-realistas, como os não-cognitivistas. Como mencionámos, Moore não duvidava da existência de valores morais objetivos, que seriam propriedades sui generis, acessíveis por intuição e não analisáveis. Assim como o amarelo, o bom seria uma propriedade das coisas que poderia ser percebida, mas não decomposta ou analisada. Mas diferentemente do amarelo, o bom não seria uma propriedade natural; seria uma qualidade não redutível a outra propriedade qualquer, seja ela sobrenatural ou natural. Na verdade, as propriedades morais, a despeito de não serem acessíveis à investigação empírica, seriam acessíveis por intuição moral. Por intuição podemos reconhecer certas proposições morais como auto-evidentes. Assim, a linhagem intuicionista foi inaugurada na filosofia moral contemporânea, que teve como seus maiores representantes W. D. Ross (1930) e H. A. Prichard (1912).

A influência de Moore acabou por revelar diversos problemas no projeto intuicionista, que seriam bem explorados por seus críticos. Sob o pretexto de corrigir os erros de seus antecessores, Moore trouxe ainda mais problemas para os realistas. O intuicionismo levanta uma aura de mistério em torno da moral, além de revelar uma incapacidade para explicar a mais simples discordância em ética: se eu penso que comer carne é errado por intuição moral, como posso convencer alguém que pensa exatamente o contrário e que também se sente justificado em acreditar nisso por intuição moral?

Uma réplica intuicionista é que só deveríamos levar em consideração a intuição de pessoas ponderadas e bem educadas, pois somente essas intuições seriam confiáveis (Ross, 1930, p. 41). O problema desse argumento é o seu caráter evidentemente circular; afinal, quem deve ser considerado bem educado? Somente aquelas pessoas que estão em acordo com minhas intuições? Pode haver uma tendência, se pensarmos assim, de acusar de cegueira moral quem estiver em desacordo moral connosco. Além disso, dizer que captamos verdades morais por intuição levanta muitas suspeitas, pois parece postular a existência de uma estranha capacidade para captar essas verdades, algo como um sexto sentido.

Outro problema do intuicionismo é a sua impossibilidade de encaixar os fatos morais no quadro do mundo apresentado pela ciência moderna: se a nossa forma de compreender a natureza do mundo não abre espaço para a moral, tanto pior para a ciência, nos diria Moore. Mas é fácil perceber como esse excesso de confiança epistemológica pode ter o efeito inverso: para muitos, descartar o naturalismo seria pagar um preço alto demais para sustentar a objetividade da moral. Tendo esses problemas em mente, muitos críticos argumentaram que os pressupostos do intuicionismo moral deveriam ser revistos; outros, como os anti-realistas, optaram pela saída mais econômica: descartar a existência de valores morais objetivos.

Por outro lado, as tentativas formais de refutar o naturalismo têm falhado. Não podemos utilizar a tática comum entre os críticos do naturalismo de descartá-lo como falacioso, quase por definição. Argumentos como a lei de Hume e o AQA não fornecem qualquer problema para o projecto naturalista, que continua sendo uma hipótese interessante. Os intuicionistas têm frequentemente insistido na distinção entre conceitos como a água e o bem, que é um conceito normativo. Argumentam que as afirmações morais são normativas; elas nos dizem o que devemos fazer. Mas as explicações naturalistas são meramente descritivas; elas apenas nos dizem como as coisas são. A ética seria autônoma, com critérios próprios de verdade e justificação. Contudo o naturalista pode replicar que desconsidera o elemento normativo da ética, porque o naturalismo é uma visão a partir “de fora”, que explica o que acontece quando pensamos eticamente. O aspecto normativo só pode ser conhecido a partir de dentro da própria atividade ética; mas só a partir de fora podemos explicar adequadamente a natureza da ética (Rachels, 2000, p. 90).

De fato, é estranho pensar que a metaética seja independente das ciências. Poderíamos esperar que os filósofos morais trabalhassem no contexto da informação fornecida por ciências que incluem a sociologia e a antropologia, que descrevem as formas de vida social, e a biologia evolucionista, que nos diz algo sobre a natureza e origem dos seres humanos. Mas, de acordo com o intuicionismo, todos esses assuntos seriam irrelevantes para o entendimento da moralidade (Rachels, 2000, p. 74).

Contudo, o fato de que o naturalismo não pode ser refutado em bases puramente formais, também não implica que seja verdadeiro, pois podem existir alternativas. Filósofos anti-realistas como Gilbert Harman, por exemplo, argumentam que as propriedades morais não devem ser incluídas em nossa imagem do mundo, pois não precisamos postular a existência de fatos morais para explicar a nossa experiência moral: os fatos morais são explanatoriamente irrelevantes (Harman, 1977, cap. 2).

Além disso, as teorias naturalistas têm apresentado um grave problema nas suas formulações. Os naturalistas frequentemente afirmam que as pessoas partilham muitos dos mesmos valores porque as pessoas são basicamente semelhantes em suas necessidades e estrutura psicológica. Um apoio para essas afirmações vem da idéia de uma natureza humana, que por ser comum a todas as pessoas daria origem a valores básicos. Assim, filósofos naturalistas como Hume afirmaram que quando ajuizamos qualquer ação ou caráter como vicioso, apenas expressamos o sentimento de reprovação que é próprio da constituição de nossa natureza (Hume, 1740, livro III, parte I, seção I). O problema aqui é como tornar a idéia de constituição de nossa natureza algo não trivial, pois definir a constituição de nossa natureza como aquilo que é natural nada nos diz.

As teorias naturalistas parecem ter poucos fundamentos científicos para suas alegações. Moore já tinha antecipado esse problema ao argumentar que é impossível, a partir das éticas naturalistas, demonstrar que definição está correta (Moore, 1903, parágrafo 11). Se um indivíduo A define “bom” como aquilo que produz felicidade para o maior número de pessoas e um indivíduo B discorda, pois define “bom” como aquilo que seria aprovado por um observador imparcial, torna-se impossível provar qual dos dois está errado, já que A define “bom” como o que produz a felicidade para o maior número e B como o que é aprovado por um observador imparcial. Essa é a circularidade das definições naturalistas: na ausência de qualquer fundamentação científica, todas as definições são igualmente plausíveis.

Alguns filósofos naturalistas têm procurando mostrar como suas teorias morais podem evitar essa acusação de circularidade. Rachels, por exemplo, afirma que desde Darwin uma das fontes de informação mais frutíferas sobre a natureza humana tem sido o evolucionismo. O comportamento moral poderia ser compreendido de modo plausível como um produto da seleção natural (2000, p. 81). Todavia isso é apenas um começo. Trata-se de um recurso independente, neste caso um recurso científico, a que a filosofia deve lançar mão. Como diz Pidgen, em que medida tais tentativas são justificadas ou não, apenas o tempo e argumentação adicional poderão dizer (1993, p. 430).

Matheus Martins Silva

Referências bibliográficas

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ISSN 1749-8457