Nesta lição, irei apresentar as posições filosóficas canónicas acerca da relação entre liberdade e determinismo. Em seguida, farei algumas observações críticas acerca destas posições. Isto servirá para preparar o terreno para a proposta positiva que farei na próxima lição acerca de como o livre-arbítrio deve ser entendido.
Antes de prosseguir, é necessário definir alguns termos lógicos. Dizer que duas proposições são compatíveis é dizer que a verdade de uma delas não exclui a verdade da outra. Incompatibilidade significa conflito; se uma das proposições fosse verdadeira, a outra teria de ser falsa.
Duas proposições podem ser compatíveis embora nenhuma delas seja, de facto, verdadeira. E duas proposições podem ser incompatíveis apesar de serem ambas falsas. Considere-se o seguinte trio de enunciados:
1 e 2 são incompatíveis. 1 e 3 são compatíveis. Será que esta informação nos diz de que cor é a minha camisa? Dir-nos-á que a minha camisa está rasgada? A resposta a ambas as perguntas é não.
O incompatibilismo é uma tese acerca do problema do livre-arbítrio. Não se trata de afirmar que o determinismo é verdadeiro. Também não diz que não somos livres. Limita-se a fazer uma afirmação condicional: se o determinismo é verdadeiro, então não somos livres.
Se duas proposições (D e L) são incompatíveis, existem três possibilidades: D é verdadeira e L é falsa; D é falsa e L é verdadeira; D e L são ambas falsas. O que a tese incompatibilista exclui é que as afirmações D e L possam ser ambas verdadeiras.
Das três posições possíveis que um incompatibilista pode adoptar, duas assumem um papel proeminente na discussão filosófica. A primeira sustenta que o determinismo é verdadeiro e que não somos livres. Esta posição veio a ser designada por determinismo radical. A segunda sustenta que somos livres e as nossas acções não são causalmente determinadas. A esta posição chama-se libertismo. Ambas defendem que não se pode ter as duas coisas em simultâneo, embora discordem acerca de qual das proposições é verdadeira.
Em oposição ao incompatibilismo, está a ideia de que o determinismo não exclui a possibilidade de sermos livres. Não surpreende que esta posição se chame compatibilismo. Em princípio existem quatro versões possíveis de compatibilismo. Se D e L são proposições compatíveis, então as opções são as seguintes: 1) D e L são ambas verdadeiras; 2) D e L são ambas falsas; 3) D é verdadeira e L é falsa; 4) D é falsa e L é verdadeira.
Destas quatro posições possíveis, apenas uma tem sido discutida com alguma frequência na bibliografia filosófica. Esta concepção chama-se determinismo moderado; sustenta que as nossas acções são ao mesmo tempo livres e causalmente determinadas. A ideia básica que orienta esta doutrina é que a liberdade não requer a ausência de determinismo, requer apenas que as nossas acções sejam causadas de uma certa maneira.
Assim, o roteiro básico de posições é o seguinte:
Note-se que esta esquematização deixa algumas posições por rotular. A posição que defendo recai em II.B; sou compatibilista. Como expliquei na lição precedente, não creio que possamos supor que o determinismo é verdadeiro. Penso, no entanto, que algumas das nossas acções são realizadas livremente. O tipo de posição compatibilista que defendo será descrito na próxima lição.
As três posições a que atribuímos rótulos fornecem três padrões de semelhança e de diferença. O determinismo moderado e o libertismo concordam que somos livres, o determinismo radical e o determinismo moderado concordam que o determinismo é verdadeiro, e o determinismo radical e o libertismo concordam que o incompatibilismo está correcto. Para compreendermos de que modo estas posições estão relacionadas, podemos esquematizar cada uma delas como posições que adoptam um determinado argumento. Seja L a proposição de que algumas das nossas acções são livres e D a proposição de que o determinismo é verdadeiro. Eis o argumento característico de cada uma das posições:
Determinismo Radical:
Se D, então não-L;
D.
Logo, Não-L
Libertismo:
Se D, então não-L;
L;
Logo, Não-D.
Determinismo Moderado:
L;
D;
Logo, L e D são compatíveis.
Note-se que todos os argumentos são dedutivamente válidos. A nossa tarefa consiste em determinar que premissas são plausíveis.
O problema normativo da liberdade
O libertismo, o determinismo moderado e o determinismo radical tomam diferentes partidos acerca do problema do livre-arbítrio. Nenhuma destas teorias faz afirmações acerca de a liberdade ser uma coisa boa ou má. Por outras palavras, estas teorias dizem respeito a questões descritivas e não normativas.
Há um problema completamente distinto acerca da liberdade que se coloca em filosofia política. Trata-se de saber a que liberdades as pessoas têm direito. Terão as pessoas direito a liberdades particulares, que não podem ser postas em causa pelas outras pessoas ou pelo estado? Esta é uma questão normativa sobre o que as pessoas devem ou não devem fazer. Não é a mesma coisa que perguntar se as pessoas têm livre-arbítrio.
As liberdades particulares podem entrar em conflito. Alguns defensores do capitalismo sustentam que as pessoas devem ser livres de comprar e vender sem estarem sujeitas à regulamentação do estado. No entanto, isto pode resultar em ciclos de expansão e depressão que provocam sofrimento em larga escala. Assim, se a liberdade é um direito das pessoas, certas liberdades económicas terão de ser regulamentadas ou amputadas. Esta e outras questões normativas acerca das liberdades a que as pessoas têm direito serão discutidas na secção do texto dedicada à ética.
Considerarei em primeiro lugar o libertismo; o filósofo C. A. Campbell (1897–1974) é o libertista no qual irei centrar a minha atenção. Antes de descrever de que modo Campbell defende o libertismo, permitam-me que faça notar que falar em “libertismo” a propósito de livre-arbítrio é uma doutrina completamente diferente da concepção a que é dado um nome semelhante em filosofia política. Os liberais em filosofia política argumentam que o estado não deve interferir no mercado ou noutras esferas da vida. Esta é uma concepção normativa — uma tese acerca do modo como as coisas devem ser. O libertismo enquanto concepção acerca do livre-arbítrio é uma tese descritiva, e não normativa. Defende que somos agentes livres e que o determinismo é falso. O libertismo não afirma que esta é uma coisa boa ou má.
Habitualmente, os libertistas pensam que se pode saber por introspecção que pelo menos algumas das nossas acções não são determinadas pelos nossos desejos, crenças e outras características psicológicas. Por exemplo, no livro Selfhood and Godhood (Allen and Unwin, 1957), Campbell sublinha que por vezes praticamos acções que nada têm a ver com a nossa personalidade. Quando isto acontece, diz, é falso que as nossas acções sejam determinadas pelo nosso carácter.
Tenho duas objecções a apresentar a esta linha de pensamento. Em primeiro lugar, não há razões para confiar plenamente na introspecção. As ideias que formamos ao olhar para “dentro de nós próprios” podem ser incompletas e imprecisas. Podem ser incompletas porque podem existir factos a nossos respeito dos quais não temos consciência — factos que a introspecção não detecta. Além disso, a introspecção pode ser imprecisa porque há mecanismos psicológicos que distorcem sistematicamente o modo como nos apresentamos a nós próprios. Freud captou bem estas ideias. A propósito da última categoria, argumentou que algumas das nossas crenças e desejos provocar-nos-iam um grande sofrimento caso tivéssemos consciência de que os temos. Enquanto “mecanismo de defesa”, a introspecção devolve-nos uma imagem falseada sobre o que realmente pensamos e queremos. Embora esta concepção seja tipicamente freudiana, importa notar que muitas outras abordagens em psicologia a aceitam. Existe um amplo consenso quanto à ideia de que a introspecção não deve ser tomada ingenuamente.
A concepção de Campbell está sujeita a uma dificuldade adicional. Campbell afirma que quando agimos em desacordo com a nossa personalidade não somos determinados pela nossa mente. Discordo. Considere-se uma pessoa normalmente cobarde que é capaz de agir corajosamente numa dada ocasião. Será plausível que o acto corajoso não tenha explicação na mente da pessoa? Isto é muito dúbio. Suspeito que há aspectos da mente da pessoa que tiveram um papel a desempenhar. Talvez uma combinação de circunstâncias raras a tenha levado a exibir coragem de uma forma que até aí fora impossível. Logo, não vejo que a existência de acções contrárias à nossa personalidade possa pôr em causa o determinismo.
Campbell pressupõe que a expressão “agir contrariamente à personalidade” significa que a acção não é causada pela personalidade do agente. Mas isto é não compreender o que a expressão significa. Quando uma pessoa que habitualmente se comporta de maneira cobarde age corajosamente, podemos dizer “Evidentemente, isso fazia parte dela”. Isto parece indicar claramente que “agir contrariamente à personalidade” não é a mesma coisa que agir sem uma causa.
Campbell aceita o incompatibilismo, pensa que a introspecção mostra que por vezes produzimos actos livres e, portanto, concluiu que o determinismo tem de ser falso. Sugeri que o argumento da introspecção contra o determinismo é muito fraco. Se pensamos que o determinismo e a liberdade são incompatíveis, não vejo como a impressão introspectiva de sermos livres pode ser decisiva. O psicólogo comportamentalista B. F. Skinner, escreveu um livro chamado Beyond Freedom and Dignity (Knopf, 1971). Skinner é um incompatibilista; de facto, é um determinista radical. A sua concepção é que a imagem introspectiva que temos de nós próprios como agentes livres é ilusória. Eis uma ideia reconfortante — um conto de fadas que contamos a nós mesmos. Discordo do determinismo radical de Skinner. A questão, no entanto, é que Skinner tem toda a razão ao não se deixar levar pelas aparências a respeito da introspecção.
Se eu pensasse que o incompatibilismo é verdadeiro, tentaria descobrir se as acções humanas são determinadas. Fá-lo-ia verificando o que a ciência tem a dizer sobre o determinismo, e a psicologia sobre as causas do comportamento. Campbell aceita o incompatibilismo mas argumenta na direcção oposta. Decide, apoiado na introspecção, que algumas das nossas acções são livres e conclui que não podem ser causalmente determinadas. Esta, parece-me, é a ordem errada pela qual estas questões devem ser abordadas.
Note-se que a posição de Campbell, tal como a apresentei, não argumenta a favor do incompatibilismo. Campbell pressupõe que o incompatibilismo é verdadeiro. E utiliza este pressuposto como uma premissa para defender que as nossas acções não são causalmente determinadas.
Irei começar por expor a teoria compatibilista da liberdade apresentada por David Hume. A ideia é que uma acção é praticada livremente se o agente podia ter actuado de outra forma, caso o tivesse desejado. Suponha que aceita uma oferta de emprego para o verão. Hume afirma que você agiu livremente se tivesse podido declinar a oferta, caso pretendesse fazê-lo. Pela mesma ordem de ideias, quando alguém entrega a carteira a um ladrão ao ouvi-lo dizer “O dinheiro ou a vida!”, essa pessoa está a agir de livre vontade se for verdadeiro que caso tivesse preferido morrer em vez de permanecer vivo, podia ter recusado entregar a carteira. Portanto, a teoria de Hume é que as acções livres são aquelas que estão sob o controlo causal das crenças e desejos do agente. Quando uma crença está sob o controlo do agente, parece ser verdade que se o agente tivesse tido um outro conjunto de desejos, também poderia ter seleccionado e praticado uma acção diferente. A teoria de Hume é compatibilista porque defende que uma acção é livre se se encontra causalmente relacionada de uma maneira particular com as crenças e desejos do agente.
O que seria, de acordo com a teoria de Hume, uma acção não livre? Suponha que quer sair de uma sala mas não é capaz visto que está pregado ao chão. Neste caso, não é livremente que permanece na sala. É obrigado a manter-se nela quer queira quer não. A sua acção não se encontra sob o controlo das suas crenças e desejos.
Eis outro exemplo de acção não livre. Suponha que o submeti a uma operação ao cérebro. Desliguei as suas crenças e desejos dos nervos que enviam impulsos para o resto do seu corpo. Também lhe implantei um transmissor de rádio para que o seu corpo receba as minhas instruções. Agora são as minhas crenças e desejos que ditam o que você faz e diz. Nesta situação, o seu corpo tornar-se-ia um robô — seria um escravo da minha vontade. Faria o que eu quero porque é esse o meu desejo. Você poderia ser visto a beber água, a depositar dinheiro na minha conta bancária, e assim por diante. Mas não faria nenhuma destas coisas de livre vontade. A teoria de Hume explica por que razão neste caso as suas acção não seriam livres.
Penso que a principal objecção à teoria de Hume pode ser encontrada em casos de comportamento compulsivo. Pense-se no cleptomaníaco que discutimos na lição anterior. Um cleptomaníaco é um ladrão cujo desejo de roubar é invencível. Um cleptomaníaco pode querer roubar mesmo sabendo que vai ser apanhado e castigado. Mesmo possuindo um pleno conhecimento de que roubar lhes trará sofrimento em vez de ajuda, continua a roubar.
Os cleptomaníacos são apanhados nas malhas de uma obsessão. São escravos de um desejo que não diminui ao compreenderem que agir em função dele lhes faz mais mal do que bem. Há ladrões que não são cleptomaníacos, é claro. Este tipo de ladrão pode tentar roubar algo, mas a decisão de o fazer seria afectada pela informação acerca das hipóteses de ser apanhado e castigado. Nada disto faz qualquer diferença para o cleptomaníaco. O cleptomaníaco está emparedado; o seu desejo não é sensível a considerações de interesse próprio.
Penso que o cleptomaníaco não rouba de livre vontade. Contudo, este caso satisfaz os requisitos de Hume para ser considerado um comportamento livre. Os cleptomaníacos querem, acima de tudo, roubar coisas. Ao roubar, estão a seguir os seus desejos. Se não tivessem querido roubar, não o teriam feito. As acções do cleptomaníaco estão, pois, sob o controle das suas crenças e desejos. O problema é que há algo nesses desejos e no modo como funcionam que impede o cleptomaníaco de ser livre.
O diagrama causal da lição anterior pode ser usado para ilustrar por que razão a explicação de Hume acerca da liberdade procura a liberdade no local errado.
Mente | ||
Meio ambiente → | ||
Crenças + Desejos → | Comportamento | |
Genes → | ||
———— Hume ———— |
A teoria de Hume define liberdade em termos da relação que se verifica entre crenças e desejos, por um lado, e as acções por outro. Para Hume, as acções livres são controladas pelos desejos do agente. O comportamento compulsivo constitui uma objecção à teoria de Hume. É a natureza daquilo que o cleptomaníaco deseja que o impede ser livre. Isto sugere que a teoria compatibilista não deve ignorar as ligações anteriores na cadeia causal acima.
Há um segundo problema, mais subtil, com a explicação de Hume. No seu Ensaio sobre o Entendimento Humano (1690), John Locke (1632–1704) descreveu um homem que decidiu de livre vontade permanecer numa sala com o objectivo de aí conversar com um amigo. Sem que o soubesse, a porta da sala foi fechada à chave. Segundo Locke, podemos praticar livremente uma acção sem que tenhamos liberdade para agir de modo diferente. O homem mantém-se na sala por sua livre vontade, embora seja falso que podia ter agido de outra forma caso tivesse escolhido fazê-lo.
Se a maneira como Locke descreve este caso é correcta, a teoria de Hume está errada. Para que alguém pratique uma acção de livre vontade não é essencial que pudesse ter praticado qualquer outra acção caso o tivesse desejado. Segundo Locke, podemos praticar livremente uma acção mesmo não tendo liberdade para agir de outra maneira. Um acto é livre devido à razão que leva a praticá-lo; a teoria de Hume não consegue explicar em que deverá consistir um processo que subjaza às acções livres.
Eis outro exemplo que ilustra o que Locke tem em vista. Imagine uma qualquer acção que tenha sido praticada livremente. Suponha que ontem à noite, por exemplo, o João assistiu de livre vontade a um concerto. Agora imagine que se tivesse decidido não ir ao concerto teria sido raptado e, contra a sua vontade, teria na mesma sido levado ao concerto. Enquanto deliberava, desconhecia o que se preparava. O que conta é que o João assistiu ao concerto de livre vontade, embora não pudesse ter feito outra coisa.
Para se compreender onde Locke quer chegar convém comparar o homem fechado na sala (embora não o saiba) com o cleptomaníaco. O modo de pensar do cleptomaníaco indica que os seus processos de pensamento funcionam mal. Algo na sua mente impede-o de ser livre. Mas nada há de errado na mente do homem do exemplo de Locke, embora não seja livre de agir de certas maneiras.
É importante de ter em mente este contraste quando pensamos sobre outra questão importante para o problema do livre-arbítrio — a coerção. Considere um ladrão que o coage a dar-lhe o dinheiro dizendo (convincentemente) “O dinheiro ou a vida!” O ladrão roubou-lhe o dinheiro. Será que também lhe roubou o livre-arbítrio?
O ladrão coloca-o perante uma opção — poder ficar com o dinheiro e morrer ou entregar-lhe a carteira e viver. Uma opção de que o ladrão o privou é guardar o dinheiro e também a vida. Você não é livre de fazer isso. Mas será que o ladrão lhe roubou o seu livre-arbítrio?
Este é um problema difícil, mas deixe-me arriscar uma tentativa de resposta: em muitos casos (se não em todos), as acções resultantes de coacção não privam as suas vítimas de livre-arbítrio. Claro que podem roubar às suas vítimas muitas coisas de grande valor. E, é claro, é errado colocar as pessoas em situações nas quais têm as opções que o ladrão lhes oferece (e apenas essas). O importante, contudo, é que o cálculo da vítima de roubo — que é melhor entregar a carteira — é muito diferente da “decisão” do cleptomaníaco de roubar. A mente da vítima de roubo está a funcionar muitíssimo bem; as circunstâncias em que a vítima se encontra é que são objectáveis. Pelo contrário, algo de profundamente errado se passa com a mente do cleptomaníaco — e é esta incapacidade que o torna não livre.
Pretendo agora considerar uma segunda teoria compatibilista, destinada a enfrentar o problema colocado pelo comportamento compulsivo. Esta teoria foi defendida por Gerald Dworkin (em “Acting Freely”, Noûs, Vol. 4, 1970, pp. 367-383) e por Harry Frankfurt (em “Freedom of the Will and de Concept of Person”, Journal of Philosophy, Vol. 68, 1971, pp. 5-20). A ideia é que as pessoas apanhadas na rede de uma compulsão não são livres porque agem com base em desejos que prefeririam não ter. Suponha que perguntava ao cleptomaníaco se ele preferia não ter o desejo invencível de roubar. O cleptomaníaco poderia responder-lhe tristemente que ficaria satisfeito por não ter esse peso sobre as suas costas.
A proposta que estamos a considerar requer que distingamos desejos de primeira ordem de desejos de segunda ordem. Um desejo de segunda ordem é um desejo sobre como deveriam ser os nossos desejos. “Gostaria de ser menos egoísta” é uma observação de segunda ordem. Diz-nos que eu gostaria de me preocupar mais com o bem-estar dos outros. “Gostava de comer um gelado” ou “Gostava que Jones fosse aumentado” são desejos de primeira ordem. Expressam desejos acerca do que deveria ser verdadeiro no mundo situado para lá da mente. A proposta é que as pessoas agem livremente quando os seus desejos de segunda ordem se relacionam de maneiras específicas com os seus desejos de primeira ordem. Praticar de livre vontade uma acção A consiste em fazer A porque desejamos D, sem nos importarmos de desejar D. Esta última cláusula significa que não temos o desejos de segunda ordem de retirar D da nossa lista de desejos de primeira ordem.
Embora esta proposta implique que muitas pessoas vítimas de compulsões não sejam livres, ainda é deficiente. Imagine um cleptomaníaco tão deformado pela sua compulsão que é incapaz de reconhecer que ela está a prejudicá-lo. Imagine que alguém que lava as mãos compulsivamente sofreu uma lavagem ao cérebro que o faz pensar que lavar as mãos é a melhor coisa do mundo. Estas pessoas podem não se importar por terem os desejos que têm. No entanto, isso não mostra que têm livre-arbítrio; apenas mostram que elas não se importam de não serem livres.
Esta teoria do livre-arbítrio, como a de Hume, falha em explicar por que razão algumas formas de comportamento compulsivo não são livres. Isto não significa que nenhuma teoria compatibilista funcione, mas apenas que as duas que examinei não são satisfatórias. Na próxima lição, irei esboçar uma terceira explicação compatibilista.