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Crítica
20 de Março de 2002   Lógica

Moral da história?

Júlio Sameiro

No artigo “O Homem Que Queria Refutar Galileu” apresentámos o Modus Tollens (MT) e tentámos mostrar a sua simpática presença em tudo quanto é discussão: dos debates quotidianos à investigação científica. O leitor lembrará a sua forma mais básica:

Se tivesses razão, então isto seria assim e assado. Ora, isto não é assim e assado. Logo, não tens razão.

Para aprofundarmos o seu estudo, apresentámo-lo da seguinte forma:

Se P, então Q.
Ora, não-Q.
Logo, não-P

Fizemos notar que o MT é o componente essencial do método conhecido por redução ao absurdo ou demonstração indirecta. Este método, apesar de mais sofisticado, aparece nas nossas discussões com o seguinte padrão:

A tua teoria contradiz a minha e quero provar que a minha é verdadeira. Mas vou prová-lo indirectamente: começarei a raciocinar como se a tua teoria fosse verdadeira, derivando as suas consequências (isto pode demorar muito ou pouco tempo) até descobrir uma que seja falsa. Mostro essa falsidade. A tua teoria desaba.

De novo em esquema:

Objectivo: A provar: Não-P

I Parte

Hipótese:..................P
Da hipótese,
deduzir:...................Q

II Parte

Resumir a I parte:......Se P, então Q.
Mostrar que Q,
a consequência da
teoria é falsa:.............Não-Q
Concluir:...................Não-P

Se estes métodos de crítica ainda não forem claros para o leitor, poderá mesmo assim ganhar alguma coisa em ler este texto. Mas não o aconselho. Acho que deveria ler o artigo anterior primeiro. Se ainda tiver dúvidas pode e-mailar-me, ou pode ler um excelente livrinho sobre estes assuntos: A Arte de Argumentar, de Anthony Weston. De textos sobre os quais só percebe pedaços já ficou farto quando estudou filosofia no secundário, não deve querer repetir a experiência.

Ensaiemos agora uma refutação um pouco mais complexa. Desta vez a argumentação é inspirada em Kant (Crítica do Juízo). Para os seus objectivos filosóficos, Kant precisava de refutar a teoria que diz que só satisfazendo necessidades obtemos prazer. Pretendia mostrar que há, por assim dizer, uma forma de prazer espontâneo, uma satisfação espontânea.

Infelizmente o próprio Kant não nos pode ajudar muito porque escrevia, como ele confessa, com uma arrepiante falta de clareza. Por isso preferimos a exposição do seu adepto imaginário, Kantito.

Suprimir ou atenuar uma necessidade provoca um sentimento de alívio e, portanto, de satisfação. Mas a teoria a que chamo Satisfação-Necessidade, e que abreviarei para S-N, diz mais: diz que um objecto (ou situação, ou o quer que seja) só nos satisfaz nessa condição, isto é, se satisfizer uma necessidade. A defesa de S-N apela a uma evidência: seria absurdo afirmar, diz a teoria, que um objecto nos satisfaz sem nos satisfazer em alguma coisa, isto é, sem preencher um vazio, uma carência, uma falta, enfim, sem eliminar ou atenuar alguma espécie de necessidade. Logo: não há satisfação sem prévia necessidade.

Por exemplo: comer um bife é uma experiência satisfatória se estamos a saciar a fome. O segundo bife ainda poderá ser satisfatório, mas menos, e só se ainda tivermos fome. Se nos obrigarem a comer um terceiro bife, começamos a odiar os bifes, o obrigador e o mundo. Por outro lado, quanto maior for a fome maior será o desejo pelo bife e maior a frustração e o sofrimento com a sua falta.

Destes factos, a teoria S-N extrai uma lei da proporcionalidade entre graus de necessidade e graus de satisfação e de prazer. Quanto maior for a necessidade:

a) maior será o estado de insatisfação e sofrimento que a falta do objecto provoca.
b) maior será a satisfação extraída do objecto que a suprime.

O funcionamento desta lei parece ser muito clara em alguns casos: há pessoas que a todo momento são obrigadas a procurar o prazer da comida ou das drogas ou do sexo ou da aprovação dos outros. Essas pessoas conseguem grande satisfação atenuando momentaneamente a fome, a necessidade do ácido, o impulso sexual, o desejo de aprovação. Mas como a força da necessidade é grande, sofrem duramente e em igual proporção, na falta dos objectos.

Pronto. Temos aqui a teoria S-N que podemos perceber lindamente e que, por isso, estamos prontos a afirmar que é verdadeira. Mas eu quero provar que ela é falsa.

Podemos sempre e continuamente extrair satisfação dos objectos belos, sem que a sua falta provoque sofrimento: depois do belo quadro ainda podemos obter satisfação da bela música, depois da bela face, depois do belo pôr-do-sol, depois do céu estrelado, depois e de novo da bela face, depois de outra bela música e de um belo corpo... e assim, sempre de seguida e dias seguidos. Segundo a teoria tanta capacidade de fruição de beleza é sintoma de uma imensa necessidade de beleza. Logo, sem os objectos belos sofreríamos atrozmente. E, no entanto, se ao terceiro dia nos faltarem algumas dessas coisas, não temos de nos sentir acossados, sofredores e infelizes, ao contrário do que diz a lei da proporcionalidade. Logo, a teoria é falsa.

Isto é conclusivo. Se quiserem recapitular, lembrem-se: um defensor da teoria S-N deverá dizer que uma pessoa é capaz de passar todo o dia extraindo satisfação de objectos belos se, e só se, for vítima de uma necessidade insaciável semelhante à do tóxico-dependente. E, portanto, S-N deveria concluir que o nosso fruidor de beleza teria, em algumas horas com a beleza em falta, de sofrer como o tóxico-dependente sofre com a falta das drogas. Mas é evidente que esta conclusão é falsa. Logo, repito, a teoria é falsa.

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Dúvidas?

O MT está no último parágrafo.

Se S-N for verdadeira, então se passarmos algumas horas sem beleza, temos de sofrer atrozmente.
Ora, é falso que se passarmos algumas horas sem beleza, tenhamos de sofrer atrozmente.
Logo, S-N é falsa.

E agora? Está resolvido? A teoria S-N está perdida? Que poderíamos fazer para defender S-N?

Vejamos. Há duas formas básicas para a crítica a um argumento. Uma é a que usamos quando criticamos alguém dizendo que ela está a “misturar alhos com bugalhos”. Apesar da acusação, até podemos aceitar que a pessoa tenha dito uma série de verdades, e só verdades sobre alhos e sobre bugalhos. Que criticamos afinal? O facto de que a relação entre essas verdades é superficial, aparente, e que, portanto, as premissas juntas não sustentam a conclusão. Diz-se, nestes casos, que estamos a criticar não as premissas, que até podem ser verdadeiras, mas o desenrolar do raciocínio, ou seja, a relação que fomos estabelecendo entre essas premissas, a forma do argumento. A segunda via para a crítica de um argumento, consiste em mostrar que mesmo que a forma seja boa, o argumento contém premissas que não temos de aceitar — ou porque são falsas ou porque são duvidosas.

Para já, a crítica da forma do MT que encerra o argumento de Kantito não ajuda. A forma do MT é impecável. Se o usarmos para combinarmos verdades, obtemos uma verdade. Se as premissas forem verdadeiras, a conclusão é inevitavelmente verdadeira. Se aceitarmos as premissas, deveremos aceitar a conclusão. Portanto, não podemos destruir a crítica de Kantito atacando a conexão entre premissas e conclusão do MT. Resta-nos a segunda via: se quisermos defender S-N, temos de provar que esta não é obrigada a aceitar pelo menos uma das premissas, ou seja, que pelo menos uma das premissas do MT é falsa do ponto de vista de S-N.

Que premissa do MT de Kantito vamos então tentar atacar?

Atacar a segunda premissa (“é falso que se passarmos algumas horas sem beleza, tenhamos de sofrer atrozmente”) é uma trabalheira. É difícil não admitir que estamos sempre disponíveis para a beleza mesmo sem nos sentirmos pressionados pela necessidade. Estamos sempre disponíveis para a beleza, mesmo não sofrendo com a sua ausência. Por exemplo: estamos a trabalhar. Como é típico, não estamos alegres nem tristes, apenas um pouco cinzentos. Podemos estar assim umas horas sem sentirmos um sofrimento a aumentar (bem, espero que o leitor possa). Mas a qualquer momento podemos obter satisfação estética proporcionada por um belo quadro, música ou rosto. É difícil encaixar aqui a lei de proporcionalidade de S-N. A disponibilidade para a beleza é permanente, a dor pela sua ausência não é permanente.

Mas pode-se sempre tentar o ataque. Por exemplo: poderíamos perguntar se uma mesma palavra, “beleza”, não estará a ser aplicada a objectos que satisfazem necessidades diferentes. Sermos enganados por uma palavra que designa coisas diferentes não é novidade: durante séculos as pessoas confundiram calor com temperatura, electricidade com magnetismo, peso com massa... e alguns ainda parecem confundir água com aguardente. Usando a mesma palavra para coisas diferentes, somos tentados a supor que ela designa, em todos os objectos a que se aplica, um mesmo princípio (uma lei, uma essência, seja o que for) que justifica esse uso. Forçando o nosso opositor a reconhecer que erros provocados pela ambiguidade são vulgares, poderíamos sugerir que o fruidor de beleza não está a ser perseguido por uma GRANDE NECESSIDADE de beleza, mas por uma série de pequenas necessidades. Acrescentaríamos que a satisfação destas provoca sentimentos de prazer que, sendo semelhantes, nos induzem em erro, fazendo-nos pensar que se trata sempre da mesma, e por isso grande, necessidade. Mas não vamos tentar esta via. É trabalhosa e obriga-nos a discutir palavras (e logo “beleza”!) o que só devemos fazer em último caso.

Passemos, portanto, à primeira premissa do nosso MT: “Se S-N for verdadeira, então se passarmos algumas horas sem beleza, temos de sofrer atrozmente”. Será rejeitável?

Para a rejeitarmos, teríamos de mostrar que da teoria S-N não se conclui que uma pessoa capaz de extrair, sempre e continuamente, satisfação de objectos belos, sofra atrozmente na ausência de tais objectos. Se o defensor da teoria mostrar isto então a premissa é inutilizada. E poderá dizer que o Kantito pode ter raciocinado bem mas que falhou o alvo: atacou apenas um espantalho, uma caricatura ou versão inferior da teoria.

O paladino de S-N poderá largar a primeira premissa?

A resposta não pode centrar-se só no MT. Temos de analisar a totalidade do argumento porque a primeira parte deste serviu precisamente para estabelecer a primeira premissa do MT. Vendo o argumento do fim para o princípio obtemos isto:

O exemplo do fruidor de beleza permitiu-nos deduzir (via MT) que a lei da proporcionalidade é falsa.
A lei da proporcionalidade foi deduzida de S-N.
Logo, S-N é falsa.

Podemos cortar, em alguma etapa, o laço dedutivo entre o contra-exemplo e S-N?

Kantito parece sustentar que “lei” de proporcionalidade é uma consequência necessária de S-N. E o exemplo do bife, com que introduziu essa lei, parece ajustar-se-lhe perfeitamente. Mas o defensor de S-N pode tentar negar isso, apresentando uma versão de S-N que é independente da lei da proporcionalidade. Dirá:

— A necessidade é uma condição da satisfação (S-N).
— Mas a “lei da proporcionalidade” pode ser falsa porque no grau de satisfação ou de sofrimento, gerados pela presença ou ausência dos objectos que a satisfazem, há outros factores a ter em conta.

Para tornar plausível a independência entre S-N e a lei de proporcionalidade, podemos apresentar a seguinte analogia:

As plantas têm necessidade de água. Com água desenvolvem-se, sem água morrem.
Mas daqui seria absurdo derivar uma espécie de lei que nos diga que por a planta morrer sem água em 24 horas, então, com água, atinja a maturidade (logo a velhice, logo a morte...) em 24 horas! Sem a necessidade, a presença ou ausência de água não provocava efeitos na planta. Certo. Mas a forma e o grau dos efeitos dependem de outros mecanismos. A necessidade é apenas condição de funcionamento desses mecanismos. O mesmo se passará com a relação entre necessidades, o sofrimento e a satisfação: a necessidade é apenas condição destas emoções — mas a forma e o grau dessas emoções depende de outros mecanismos.

Concluindo:

— Logo, Kantito enganou-se: a “lei da proporcionalidade” não se deduz de S-N, é independente, foi-lhe acrescentada arbitrariamente e não por dedução. O ataque à lei da proporcionalidade está correcto, mas não acerta em S-N.

O paladino da S-N está a defender-se com galhardia. Nestes casos, porém, devemos sempre perguntar se o remédio não é pior que o mal. O exemplo do bife foi apresentado por Kantito para esclarecer e justificar a teoria. Despedindo a lei da proporcionalidade, o exemplo perde pelo menos uma parte da sua força e a teoria deve ser revista para verificarmos se outros dos seus desenvolvimentos implicavam ou não a agora abandonada lei da proporcionalidade. Por outro lado, apelar, como fez o argumento, a “outros factores”, que nos sejam desconhecidos, pode ser um pau de dois bicos: o argumentador está a dar-nos uma orientação para futuras investigações — descobrir esses “outros factores”? Ou apenas a escudar a teoria em factores convenientemente desconhecidos?

Direi, para concluir o exame deste argumento, que me parece que o defensor de S-N faz bem em largar a “lei da proporcionalidade”. Se persistisse nela poderia ser alvo de um MT ainda mais cruel:

A falta de ar provoca sofrimento imediato e atroz.
Logo, a necessidade de ar é grande.
Portanto, de acordo com a tese da simetria entre dor e prazer, respirar é fonte do maior prazer.
Ora, existir implica respirar.
Logo, existir implica o maior dos prazeres.
Portanto, basta existirmos para estarmos no paraíso!
Humm... Não parece lá muito de acordo com os factos pois não?

O leitor tem o resto da sua vida para examinar argumento e contra-argumento e, para não lhe retirar esse prazer, interrompo aqui a análise.

Mas podemos ganhar com algumas observações sobre todo este processo.

Enquanto estudantes deparamos com ideias que, num primeiro momento, só compreendemos vagamente (sobretudo em filosofia). Depois, apresentam-nos um, dois exemplos e bang!, fez-se luz, agarrámos alguma coisa da teoria. Ao mesmo tempo que a compreendemos convencemo-nos que ela é verdadeira ou, pelo menos, que ela tem “alguma verdade”. Por duas razões:

  1. Se a teoria não tivesse alguma verdade não seria ensinada nas escolas (é verdade!, ainda há muita gente a acreditar nisto!);
  2. Os exemplos escolhidos para compreendermos a teoria são, naturalmente, os que mais se adequam à teoria, são os casos ou “experiências” que mais “verificam” a teoria. Foi isso que Kantito fez ao apresentar o exemplo do bife para explicar S-N. O exemplo é claro e tanta clareza obscurece: confundimos o exemplo que esclarece o significado da teoria com uma prova ou demonstração da teoria. Convencemo-nos, por exemplo, que S-N é verdadeira e que S-N e a lei da proporcionalidade são coisas logicamente ligadas.

O nosso espírito crítico, ou seja, a necessidade de ensaiarmos o MT contra a teoria ficou para segundo plano. E, no entanto, como vimos com os contra-exemplos de Kantito e o da respiração, a tarefa não era, em princípio, muito difícil. Então o que a torna difícil? Precisamente os maus hábitos: o mau padrão de raciocínio, adquirido nas escolas, de confundir o exemplo que esclarece o significado de uma teoria com a prova da teoria; a ideia infeliz, adquirida nas escolas, de que as teorias ensinadas são criações de génios e que, por isso, não faz sentido os pobres professor e aluno ensaiarem os seus éMeTês...

Este mal dá em todas as disciplinas, mas os seus efeitos em Filosofia são devastadores. E para não ficarmos numa acusação vaga explicitemos este ponto.

Se um programa de filosofia pretende desenvolver o espírito crítico tem de orientar os alunos para o uso dos instrumentos de crítica. Tentei mostrar que o MT é um desses instrumentos. Há outros que são fornecidos pela lógica elementar. Ao mesmo tempo que apresentei o MT procurei também exemplificar o trabalho que se deveria pedir ao estudante, as perguntas que deveriam conduzir o seu trabalho: “há aqui — num texto, num discurso oral — um argumento? Quais são as premissas e qual a conclusão?” Apresentado o argumento: “as premissas estão bem relacionadas? Contêm falsidades ou, pelo menos, coisas obscuras ou duvidosas? Será possível ensaiar com sucesso o MT contra o argumento?”

Uma pergunta crítica de elevado valor e que é particularmente desleixada no ensino da filosofia foi exemplificada na crítica ao argumento de Kantito: as proposições (ou teses, ou afirmações, o que lhe quisermos chamar) que nos apresentam como sendo a teoria do filósofo X, são consequências umas das outras ou são independentes?

Esta pergunta é crucial. Quando tantas vezes se repete algo como “um filósofo apresenta-nos uma visão unitária da realidade” ou “o filósofo examina sistematicamente os fundamentos do conhecimento e da acção” é fácil criarmos a imagem de que uma filosofia é uma espécie de anel ou cadeia de teses que dependem umas das outras. De que natureza é essa dependência? Bem... por vezes ficamos com esta ideia desleixada: uma filosofia é obra de um filósofo, né? E cada filósofo terá, como todas as pessoas, o seu feitio (tendências, hábitos, etc). Logo, a filosofia de X reflecte o feitio de X. Aí está por que razão as ideias contidas numa filosofia dependem umas das outras: são todas produto do mesmo feitio... Claro que o feitio do filósofo tem de ter efeitos na sua obra. Mas é ridículo pensar que aprender filosofia é aprender a ver a realidade com o feitio (e que feitio!) de X e depois com o feitio (também peculiar!) de Y e assim por diante. Mas, sejamos honestos, é essa a imagem que a maioria dos estudantes têm da filosofia. Qual é o tipo de trabalho que resulta desta ideia? Que o estudante confronte monumentos criados por um feitio com monumentos criados por outro feitio. Uma tarefa irrelevante, louca e impossível, que, por exemplo, era particularmente visível no velho 12.º ano via de ensino. Que é neste contexto o “espírito crítico”? Saber confrontar a opinião de X com a de Y! Só com uma grande dose de “marranço” e competência no uso da língua portuguesa permite a alguns (poucos) alunos simular tal sabedoria filosófica e ganhar alguma coisa com tão desatinada ideia do trabalho filosófico.

Mas as extraordinárias confusões em torno da ideia da unidade das filosofias e do trabalho filosófico não acabam aqui. Por vezes explica-se a unidade de uma filosofia juntando-se ao feitio as mal alinhavadas ideias de “coerência lógica” e de “sistema”. Cada filosofia tem a sua “coerência interna”, querendo com isto dizer que as teses do filósofo não se contradizem e que dependem umas das outras. Isto está errado: dadas duas ideias que não se contradigam não há razão para pensar que uma tenha de depender da outra. Assim, uma poderá ser falsa e a outra verdadeira, o filósofo poderá deixar cair uma e manter a outra. Ou outro filósofo poderá defender uma sem, por isso, ter de defender a outra.

A incompreensão das noções de consistência e independência gera a confusão filosófica generalizada. Exemplos de confusões típicas:

Talvez um dia se ensine de facto a filosofar, isto é, a pensar por si mesmo, ou seja a ensaiar o MT, a perguntar se as teorias ou crenças (nossas ou as dos outros) são independentes ou não, e a tentar criar alternativas...

Chega de desgraças & lamúrias. Lembrando o inicio do primeiro artigo concluo: penso que o espírito crítico se cultiva com objectivos bem simples e claros. Como o de treinar o MT.

Júlio Sameiro

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