A vagueza não é fácil de caracterizar ou de definir. Uma razão para esta dificuldade é que parece haver várias concepções diferentes de vagueza, e não é claro aquilo que elas têm em comum. Uma apreensão intuitiva de uma das concepções de vagueza é desde logo proporcionada por meio de uma metáfora que Frege usa nos seus Fundamentos da Aritmética. Escreve ele:
A definição de um conceito (de um predicado possível) tem de ser completa; tem de determinar, de modo não ambíguo, quanto a cada objecto, se ele cai ou não debaixo do conceito (se o predicado pode ou não ser asseverado dele com verdade). Assim, não pode haver qualquer objecto acerca do qual a definição deixa dúvidas sobre se ele cai ou não debaixo do conceito […] Podemos exprimir esta ideia metaforicamente da seguinte maneira: o conceito tem de ter uma fronteira exacta. A um conceito que não tivesse uma fronteira exacta corresponderia uma área que não teria uma linha de demarcação à sua volta, mas que em certas zonas se dissolveria imperceptivelmente no background. (Frege, Gottlob (1891) “Funktion und Begriff”; trad. ing. “Function and Concept” em P. Geach e M. Black, orgs., Translations from the Philosophical Writings of Gottlob Frege, Blackwell, Oxford, 1960, p. 159.)
Esta metáfora espacial proporciona um contraste claro entre conceitos ou termos vagos e conceitos ou termos precisos. Um termo preciso é definido de modo exacto, no sentido em que divide claramente os objectos entre os que estão contidos na sua extensão e os que estão contidos na extensão da sua negação. Um termo vago é um cuja definição permite a possibilidade de casos-fronteira. Trata-se de casos em que não está determinado se o termo se aplica ou não se aplica. Onde existe vagueza, existe uma incerteza genuína quanto à aplicabilidade de expressões a certos objectos.
Frege reconheceu que muitos conceitos e predicados vulgares das linguagens naturais não têm definições que determinem claramente a sua aplicação em cada caso. As suas observações sobre eles deixam em aberto a possibilidade de estas expressões serem desprovidas de definições completas por acaso (isto é, dado ninguém ainda se ter dado ao trabalho de as fornecer); alternativamente, as suas observações podem ser interpretadas como compatíveis com a tese de que, a um termo vago, não é possível fornecer um conjunto completo de condições de aplicabilidade.
Em todo o caso, a existência de vagueza deste tipo na linguagem é vista por Frege como um defeito. “Um conceito que não é definido de modo exacto é algo a que erradamente se chama um conceito”, defende ele (ibid.). Apresenta duas razões para desqualificar estas construções pseudoconceptuais: são destituídas de significado (Bedeutung) e as leis da lógica falham quando lhes são aplicadas. Do ponto de vista de Frege, qualquer teoria sistemática do significado tem de atribuir, como valores semânticos de cada unidade linguística, valores únicos, sendo o significado das frases complexas determinado pelo significado das suas partes. Visto que não há um conjunto único de objectos que possa servir como o valor semântico de um predicado vago, a vagueza teria de ser eliminada de uma linguagem antes de se poder proporcionar uma análise sistemática dela. A sua segunda razão para pensar isto era a de que ele via a existência de casos-fronteira da aplicabilidade de uma expressão como uma ameaça às leis da lógica clássica — por exemplo, a Lei do Terceiro Excluído, o princípio segundo o qual, para qualquer frase F, ou F ou ¬F são verdadeiras. Este princípio é ameaçado quando a frase F consiste na aplicação de um predicado vago a um objecto na fronteira do domínio de aplicação do predicado. Frege pensava, além disso, que nenhum conjunto de princípios lógicos precisos poderia representar o funcionamento de uma linguagem vaga; esta é a força da sua tese de que a vagueza acarreta incoerência.
Não é claro, porém, que o Terceiro Excluído falhe naqueles casos em que há incerteza acerca da verdade das disjuntas. Mas mesmo que se decida, devido à existência de casos fronteira, que o TE tem de ser rejeitado, estas considerações não podem, por si só, estabelecer o resultado de que nenhum conjunto de princípios precisos poderiam ser vistos como a lógica de uma linguagem vaga. E a primeira razão de Frege para ver a vagueza como um defeito também não parece adequada. Os predicados vulgares que não têm definições completas no sentido mencionado são tão bem compreendidos como quaisquer outros. E dificilmente o significado pode ser separado da compreensão, uma vez que quando alguém compreende uma expressão aquilo que é compreendido é, certamente, o seu significado. Portanto, deste ponto de vista, as razões de Frege para pensar que a vagueza introduz falhas de significado e, nesse sentido, “incoerência” parecem insatisfatórias.
Há, contudo, uma razão mais forte para pensar que Frege possa ter tido razão. É que a incoerência é uma fonte de paradoxo, e parece haver uma estreita relação entre o tipo de vagueza que ele descreve e o paradoxo sorites. Se a aplicabilidade de muitos predicados vulgares se desvanece imperceptivelmente, como a metáfora fregiana sugere, então não há limites definidos para a extensão da sua área de aplicação. Não pode portanto haver uma resposta definitiva para as perguntas acerca de onde exactamente a área de aplicação dos predicados termina e a área da aplicação da sua negação começa. Traçar uma linha de fronteira num qualquer ponto específico a fim de delimitar a área de aplicação de um predicado desses não seria apenas arbitrário: implicaria também ignorar o facto de que o predicado é genuinamente vago no sentido descrito por Frege. Implicaria tratá-lo como qualquer predicado definível de modo preciso. Mas, se não nos é permitido traçar limites à área de aplicação de um predicado num qualquer ponto específico, então não é possível impedir o seu alastramento indiscriminado.
Se aceitarmos isto, o paradoxo é inevitável. Suponhamos que o predicado “monte” (ou “é um monte”) é vago nesta acepção fregiana. Uma sequência de objectos poderia ser disposta de tal maneira que o primeiro deles consistisse num monte de grãos de um certo tipo e cada um dos objectos subsequentes consistisse também num monte de grãos do mesmo tipo mas contendo menos um grão do que o que o precede. (Alternativamente, a sequência poderia consistir em estádios temporais do mesmo objecto que, no primeiro estádio, é um monte e vai ficando com menos um grão em cada um dos estádios subsequentes.) O último membro da sequência, que é composto por um único grão, não é, obviamente, um monte. Mas se cada membro da série é um monte, ele permaneceria um monte se apenas um grão fosse retirado. As condições de aplicação do predicado não são suficientes para distinguir objectos que são monte de objectos que não são monte em função da mera diferença numérica de um grão, de modo que se um membro de uma sequência (adequadamente gradativa) for um monte, o membro seguinte também será. Uma vez que o primeiro membro é um monte, todos os membros que se lhe seguem também o são, incluindo o último. Negar isto implicaria aceitar que uma fronteira precisa pudesse ser traçada em algum ponto da sequência, de modo a separar-se os montes dos não-montes. Mas isto implicaria, por sua vez, negar que o predicado seja vago do modo como Frege descreve os predicados vagos. Poderia argumentar-se, com base nisto, que Frege tinha razão em pensar que a presença da vagueza numa linguagem a torna incoerente.
A partir de Frege, a maioria dos debates acerca da vagueza consistiu na apresentação de propostas alternativas para resolver o paradoxo acabado de descrever. Algumas sugerem modificações na lógica clássica e outras uma reforma da teoria semântica. Mas é defensável que as tentativas de solução oferecidas pelas lógicas difusas e pelos sistemas de sobre-atribuições (supervaluations) consistem em “tornar precisa” a vagueza do tipo que preocupava Frege. Ora o problema só surge se esta vagueza for preservada na linguagem tal qual é: ele não se resolve ignorando a sua existência.
Michael Dummett e Crispin Wright defendem um ponto de vista radical acerca do paradoxo. Argumentam que, se a vagueza for levada a sério, o sorites revelará ser um paradoxo genuinamente irresolúvel: nenhuma lógica ou conjunto consistente de princípios semânticos poderia representar adequadamente o funcionamento de uma linguagem vaga. Dummett e Wright argumentam que, por esta razão, se justifica o pessimismo de Frege quanto à possibilidade de se proporcionar uma análise rigorosa das linguagens naturais. Discordam, porém, da sua tese de que a vagueza é um mero defeito dessas linguagens, a ser eliminado antes de elas poderem ser analisadas satisfatoriamente. Se eles têm razão, então a vagueza tem de ser vista como uma característica intrínseca dessas linguagens, a qual nenhuma análise adequada delas pode ignorar ou tornar artificialmente precisa. O corolário deste argumento é o de que a vagueza, sendo uma característica intrínseca das linguagens naturais, é uma fonte não eliminável de incoerência; não podendo ser eliminada, gera a contradição e o paradoxo. Pode suprimir-se o paradoxo e fazer a linguagem funcionar livre de contradições, mas só se se tratar a vagueza como se ela não existisse. Por outro lado, se a vagueza for levada a sério, segue-se, pelo argumento, que não é possível formular qualquer teoria coerente do funcionamento da linguagem natural.
Nem Dummett nem Wright parecem pretender aceitar esta conclusão, mas não é claro, em nenhum dos dois casos, onde pensam eles que o argumento falha. Dummett identifica a causa do dilema numa tensão entre os pontos de vista de Witgenstein e de Frege. Escreve ele:
Uma análise satisfatória da vagueza deverá explicar duas intuições conflituantes que temos: aquela expressa por Frege segundo a qual a existência de termos vagos numa linguagem lhe confere uma incoerência intrínseca; e uma de pendor contrário, expressa por Wittgenstein, segundo a qual a vagueza é uma característica essencial da linguagem. (Dummett, M. (1975) “Wang's Paradox” Synthese 30, pp. 325-365.)
Todavia, o dilema tem de ser resolvido, uma vez que é óbvio que as conclusões mencionadas acima não podem ser aceites. A motivação para a investigação filosófica das linguagens naturais consiste certamente na ambição de compreender o seu funcionamento e, portanto, de dissolver os paradoxos a que ele pareça conduzir. A ideia de que as linguagens naturais são em larga medida incoerentes é incompatível com a sua função comunicativa e com o grau de regularidade visível no modo como são usadas pelos falantes. Segue-se que a coerência das linguagens naturais tem de poder ser reconciliada com a sua vagueza.