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Crítica
5 de Outubro de 2009   Lógica

Argumentos indutivos, validade e força

Artur Polónio

A avaliação de argumentos indutivos coloca, por vezes, alguns problemas e dá, por vezes, origem a algumas confusões.

Imagina o seguinte diálogo:

— Nenhuma mulher será Presidente da República, em Portugal.
— Porquê?
— Porque até agora, em Portugal, nenhuma mulher foi Presidente da República.

Este diálogo apresenta um argumento. Podemos formulá-lo da seguinte maneira:

1) Até agora, nenhuma mulher foi Presidente da República, em Portugal; logo, nenhuma mulher será Presidente da República, em Portugal.

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Dúvidas?

Este argumento é válido ou inválido? É forte ou fraco? Porquê? A resposta a estas questões pode não ser tão simples quanto desejaríamos. Intuitivamente, poderás estar na disposição de rejeitar a sua conclusão, porque provavelmente nada estás a ver que impeça uma mulher de vir a ser Presidente da República, em Portugal. Mas isso nada nos diz acerca do argumento apresentado; isto porque estás a usar, na tua avaliação, informação de fundo que não é fornecida no argumento.

Se, porém, estás na disposição de rejeitar a conclusão de 1, talvez sejas levado a considerar, intuitivamente, que o argumento é inválido. Dizer, todavia, que o argumento 1 é inválido porque é fraco, como sucede dizer-se por vezes, é um erro: não é possível explicar a validade ou invalidade de um argumento a partir da sua força ou da sua fraqueza.

A validade é uma propriedade de alguns argumentos. Um argumento é válido se é impossível, ou muito improvável, ter premissas verdadeiras e conclusão falsa. Se é impossível um argumento ter premissas verdadeiras e conclusão falsa, temos o padrão mais elevado de validade possível: a validade dedutiva. Isto é, temos a garantia de que, mantendo o nosso padrão de raciocínio, é impossível partir de verdades e chegar a falsidades. (Isso não é o mesmo que termos a garantia de que partimos efectivamente de verdades, como é óbvio.) Se é improvável, ou muito improvável, um argumento ter premissas verdadeiras e conclusão falsa, temos um padrão diferente de validade, a que chamamos “probabilidade indutiva” ou “validade indutiva”. Isto é, temos alguma segurança de que o nosso raciocínio nos conduzirá, se partirmos de verdades, a outras verdades — o que não é o mesmo que termos a garantia de que isso não pode deixar de suceder. (Mais uma vez, isto é diferente de termos a garantia de que partimos, efectivamente, de verdades.)1

O que pretendo estabelecer é o seguinte: quando falamos da validade de um argumento, estamos a falar da mesma propriedade, quer se trate de um argumento dedutivo quer se trate de um argumento indutivo. A validade dedutiva e a validade indutiva não são propriedades diferentes: são a mesma propriedade em diferentes graus.

Ao contrário do que sucede com alguns argumentos dedutivos,2 não dispomos de uma regra infalível para determinarmos se um argumento indutivo é válido ou inválido. Isto porque ao passo que a validade de um argumento dedutivo pode ser explicada pela sua forma lógica, ou pela sua forma lógica juntamente com os conceitos envolvidos, a validade de um argumento indutivo tem de ser explicada de outra maneira. Teremos de confrontá-lo com a seguinte questão: qual é a probabilidade de a conclusão ser verdadeira, dada a informação disponível? No contexto das ciências empíricas, onde as nossas premissas exprimem informação factual rigorosa, há processos igualmente rigorosos de responder a esta questão. Na vida quotidiana, porém, nem sempre dispomos de tais processos, porque os nossos argumentos nem sempre exprimem informação desse tipo. Por isso, cada argumento indutivo tem de ser avaliado pelos seus próprios méritos.

Isto pode sugerir que, quando avaliamos argumentos indutivos, é preferível deixar de falar de validade e passar a falar antes de força. Com efeito, o recurso à metáfora da força, neste contexto, tem uma vantagem: permite estabelecer a diferença entre o tipo de apoio que as premissas de um argumento dedutivo sem erros lógicos dá à sua conclusão e o tipo de apoio que as premissas de um argumento indutivo sem erros lógicos dá à sua conclusão.

Mas será que a metáfora da força pode ajudar-nos a esclarecer a noção de validade? Do meu ponto de vista, não.

Considera o argumento seguinte:

2) A maior parte dos ingleses lê o Times; logo, o próximo inglês que encontrarmos será leitor do Times.

Este argumento é indutivamente válido; isto porque, na circunstância em que tem premissa verdadeira, a sua conclusão é muito provavelmente verdadeira. Se quiséssemos explicar a sua validade mantendo a metáfora da força, teríamos de dizer que se trata de um argumento forte.

Porém, o argumento seguinte é igualmente válido, pela mesma razão:

3) A maior parte dos ingleses lê o Público; logo, o próximo inglês que encontrarmos será leitor do Público.

A querermos manter a metáfora da força, para explicar a validade de 3, teríamos de dizer que também 3 é um argumento forte. Mas parece haver algo de contra-intuitivo em pretender que 3 é um argumento forte: aceitamos que a sua conclusão seria provavelmente verdadeira, se a sua premissa fosse verdadeira; mas a sua premissa é claramente falsa; daí que nada possamos concluir. O que quer que seja um argumento forte, dificilmente será isto.

Se tudo o que podemos fazer com a metáfora da força se limita a isto, então a metáfora da força não nos ajuda muito: já tínhamos decidido que tanto 2 como 3 são válidos; falar de fraqueza ou de força a respeito da maneira como a premissa de cada um apoia a respectiva conclusão nada parece acrescentar.

A diferença relevante entre 2 e 3 não é a validade; isto porque a probabilidade de terem conclusão verdadeira, na circunstância em que a premissa é verdadeira, é igual em ambos os casos. A diferença relevante entre 2 e 3 é a plausibilidade da respectiva premissa: tanto 2 como 3 têm premissa falsa; porém, 3 tem premissa muito mais evidentemente falsa do que 2. A partir do momento em que ambos os argumentos são válidos, agora parece fazer sentido falar de força: dizer que 2 é um argumento forte e 3 é um argumento fraco não significa que 2 é válido e 3 inválido: significa, sim, que, sendo ambos válidos, 2 tem premissa mais plausível do que 3.

Não pode ser, portanto, a força que explica a validade. A metáfora de força pode ser esclarecedora quando confrontamos argumentos que já decidimos serem válidos: será mais forte o que tiver premissa ou premissas mais plausíveis.

Falar de força para explicar a validade indutiva tem duas desvantagens: em primeiro lugar, parece que estamos a falar de uma propriedade diferente da que encontramos nos argumentos dedutivos válidos; mas é falso que se trate de uma propriedade diferente: é a mesma propriedade, mas num grau diferente. Em segundo lugar, não nos permite dar conta da diferença entre argumentos indutivos igualmente válidos com premissas desigualmente fortes: se qualquer argumento indutivo válido é forte, como poderemos distinguir os argumentos indutivos fortes que, além disso, têm premissas mais fortes?

Regressemos agora ao argumento 1:

1) Até agora, nenhuma mulher foi Presidente da República, em Portugal; logo, nenhuma mulher será Presidente da República, em Portugal.

Este argumento é indutivo e inválido. E é inválido porque a verdade da premissa não nos dá qualquer razão para acreditar que a conclusão é verdadeira ou muito provavelmente verdadeira.

Atenta no seguinte argumento:

4) Até hoje, nenhum marciano foi Presidente da República, em Portugal; logo, nenhum marciano será Presidente da República, em Portugal.

O argumento 4 é também indutivo e inválido; e é, além disso, evidentemente análogo a 1. No entanto, tem premissa e conclusão verdadeiras. Todavia, a conclusão é verdadeira não porque a premissa é verdadeira, mas sim porque não há marcianos. Que, até hoje, nenhum marciano tenha sido Presidente da República, em Portugal, é irrelevante para a conclusão de que nenhum marciano será Presidente da República, em Portugal. O que é relevante é a inexistência de marcianos.

Assim, tanto em 1 como em 4, a verdade da premissa é irrelevante para acreditar que a conclusão é verdadeira ou provavelmente verdadeira. Por isso, tanto 1 como 4 são inválidos. Igualmente inválidos. Qual é o mais fraco?

Do que dissemos não se segue, porém, que todos os argumentos indutivos são inválidos.

Considera o argumento seguinte:

5) Até hoje, nenhum Presidente da República, em Portugal, foi analfabeto; logo, nenhum Presidente da República, em Portugal, será analfabeto.

A premissa é, no momento em que escrevo estas linhas, verdadeira; e essa é uma boa razão para acreditarmos que a conclusão é, também, verdadeira, apesar de poder ser falsa. Nota, todavia, que se a conclusão não for falsa, tal não se deve ao facto de não haver analfabetos; isto porque é falso que não há analfabetos. O argumento 5 é, por conseguinte, um argumento indutivo válido.

Considera agora o argumento seguinte:

6) Não está provado que não há seres extraterrestres ameaçadores; logo, há seres extraterrestres ameaçadores.

O argumento 6 é, usualmente, considerado falacioso. Do facto de uma proposição não estar provada, não podemos inferir validamente que a sua negação é verdadeira. Fazê-lo é incorrer na falácia do apelo à ignorância.

Considera, porém, o seguinte argumento:

7) Não está provado que há seres extraterrestres ameaçadores; logo, não há seres extraterrestres ameaçadores.

6 e 7 são análogos: ambos inferem, do facto de uma proposição não estar provada, que a sua negação é verdadeira. Se 6 é um argumento falacioso, então 7 é igualmente um argumento falacioso. Todavia, no momento de tomarmos decisões que envolvessem a crença na existência de seres extraterrestres ameaçadores não seria indiferente aceitarmos 6 ou 7.

Decorrerá daí que um deles é mais ou menos forte do que o outro? Se um argumento fosse inválido porque é fraco, então a metáfora da força não nos permitiria explicar a diferença entre 6 e 7: são ambos inválidos; e ambos têm premissa verdadeira. Decidir aceitar 6 ou 7 é uma questão acerca daquilo em que é mais ou menos razoável acreditar.

A metáfora da força, quando se avaliam argumentos, é por vezes usada para distinguir os argumentos persuasivos dos não persuasivos; mas esse uso é um erro, porque alguns argumentos inválidos são persuasivos e alguns argumentos válidos (pela sua complexidade, por exemplo) não são persuasivos.

Imagina uma secretária que apresenta ao seu chefe o seguinte argumento: “Tem de aumentar o meu salário. Parece-me que não quer que cheguem aos ouvidos da sua esposa rumores de que anda a assediar-me”.2 Este argumento é claramente inválido: do facto de alguém não querer ver circular rumores acerca do seu comportamento não se segue que seja quem for deva receber um salário mais elevado. Porém, não nos surpreenderia que tal argumento chegasse a ser persuasivo.

Se a força de um argumento indutivo é algo como o grau de adesão que pode suscitar no auditório a que se destina, então a força de um argumento indutivo é irrelevante para a questão da sua validade; isto porque muitos argumentos indutivos inválidos podem ser persuasivos.

Em conclusão: a força não explica a validade, e nem uma nem outra explicam a persuasão. Além disso, a metáfora da força pode ser enganadora, porque obscurece a distinção entre argumentos válidos e inválidos: um argumento, dedutivo ou indutivo, é válido ou inválido, e tanto num caso como no outro pode ser mais ou menos forte; assim, explicar a validade ou a invalidade de um argumento pela sua força ou fraqueza não permite distinguir os argumentos válidos dos inválidos.

Artur Polónio

Notas

  1. Um argumento com premissas falsas pode ser válido; e um argumento com premissas verdadeiras pode ser inválido. Isto vale tanto para argumentos dedutivos como para argumentos indutivos. Quando nos referimos à validade de um argumento, não consideramos o valor de verdade actual das premissas, mas sim a relação entre o valor de verdade das premissas e da conclusão.
  2. Aqueles cuja validade podemos determinar recorrendo à sua forma lógica — veja-se o artigo “Argumentos Válidos Formalmente Inválidos”, de Desidério Murcho.
  3. Adaptado de Walton, Douglas, 2006, Fundamentals of Critical Argumentation (Nova Iorque: Cambridge University Press), p. 289.
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ISSN 1749-8457