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10 de Julho de 2015   Ética

Emotivismo

Harry J. Gensler
Tradução de Álvaro Nunes

Emotivismo: “X é bom” é uma exclamação emocional (não uma afirmação verdadeira), e significa “Viva X!” Para escolher os teus princípios morais segue os teus sentimentos.

O emotivismo afirma que os juízos morais expressam sentimentos positivos ou negativos. “X é bom” é equivalente à exclamação “Viva X!” — e por isso não podem ser verdadeiros ou falsos.

Assim, não pode haver verdades nem conhecimento morais. Começaremos por escutar uma figura de ficção, a que chamarei Ima Emotivista, explicar-nos a sua crença no emotivismo. Depois disso veremos as objecções ao emotivismo.

5.1 Ima Emotivista

O meu nome é Ima Emotivista. Abracei o emotivismo quando tive conhecimento de que os juízos morais expressam apenas sentimentos e não juízos verdadeiros ou falsos.

Eis como me tornei emotivista. Estudo filosofia e química, e interesso-me em particular por filosofia da ciência. A. J. Ayer é o meu filósofo favorito. Como Ayer, respeito o método científico, que considero o único modo de conhecer o mundo. O método científico faz-nos propor um ponto de vista e depois fazer experiências para ver se esse ponto de vista é correcto. Um ponto de vista tem de ser testável por intermédio da experiência sensível ou não faz sentido. Esta é a ideia que suporta a filosofia de Ayer, a que ele chamou positivismo lógico.

Estou a simplificar em demasia. Para ser mais precisa, tenho de usar alguns termos técnicos; espero não te maçar. O positivismo lógico afirma que só dois tipos de frases fazem genuínas afirmações de verdade (afirmações que são verdadeiras ou falsas). Há, primeiro, as proposições empíricas, que podemos, em princípio, mostrar por intermédio da experiência sensível que são verdadeiras ou, pelo menos, altamente prováveis. Em segundo lugar, há as proposições analíticas, que são verdadeiras devido ao significado das palavras. Eis alguns exemplos:

A proposição empírica pode ser testada por intermédio da experiência sensível; vais lá fora e olhas para a neve. A proposição analítica é verdadeira por definição, uma vez que “celibatário” significa “solteiro”; assim, não precisamos de estudar os celibatários para sabermos que a proposição é verdadeira. Em geral, a ciência é empírica e a matemática analítica. Espero que estejas a perceber a ideia.

O positivismo lógico alega que qualquer afirmação de verdade genuína é empírica (testável por intermédio da experiência sensível) ou analítica (verdadeira por definição). Se a tua afirmação não pertence a um destes dois tipos, então não tem sentido. Vejamos um exemplo. Suponhamos que dizes que “A verdade é espiritual” — a tua afirmação não é empírica (testável por intermédio da experiência sensível) nem analítica (verdadeira por definição). Então não estás a dizer algo que possa ser verdadeiro ou falso. Estás talvez a exprimir sentimentos. Mas não estás a fazer uma afirmação de verdade se o que dizes não é empírico ou analítico.

Como pode o positivismo lógico ser aplicado à ética? A ética é empírica? Será que afirmações como “X é bom”, como as afirmações da química, podem ser testadas por intermédio da experiência sensível? Parece que não.

Aqui talvez seja melhor irmos mais devagar. O naturalismo afirma que “bem” pode ser definido usando ideias retiradas da experiência sensível. Por exemplo, o relativismo cultural define “bem” como “aprovado socialmente”. Se esta definição fosse adequada, então “X é bom” seria uma afirmação empírica genuína; poderíamos testar a sua verdade testando se X era socialmente aprovada. Esta afirmação faria da ética um ramo da sociologia. Infelizmente, estas definições não são adequadas. Na nossa linguagem “bem” não significa “socialmente aprovado”, uma vez que é consistente dizer que algumas coisas socialmente aprovadas não são boas. Se conheces a famosa refutação que Moore fez do naturalismo, este ponto deve ser-te familiar.

Assim, os juízos morais não são empíricos; os princípios morais não podem ser provados ou refutados por intermédio da experiência sensível. Serão analíticos (verdadeiros por definição)? Parece que não. Logo, os juízos morais não são empíricos nem analíticos. Segue-se que exprimem, não afirmações de verdade genuínas, mas na melhor das hipóteses os nossos sentimentos acerca das coisas. Este é o raciocínio de Ayer, e eu penso que é sólido. Se aceitamos uma atitude científica para com o mundo, somos levados inevitavelmente a uma abordagem emotivista da ética.

Contudo, a atitude científica não é a única via para o emotivismo. O meu namorado estuda Literatura Inglesa e não se interessa por ciência. Mas ele gostou do emotivismo quando lho expliquei. Disse que fazer de “bem” algo emocional aproxima-o do reino da poesia (a verdadeira paixão do meu namorado) e afasta-o da “ciência, fria e impessoal”. Ele gostou logo do emotivismo e nem quis ouvir o raciocínio com que o defendo.

5.2 “Bem” é emocional

Sou ainda a Ima. Preciso de outra secção para explicar com mais clareza o que o emotivismo defende.

O emotivismo considera que o juízo moral é a expressão de um sentimento e não uma afirmação que seja literalmente verdadeira ou falsa. Os juízos morais são exclamações: “X é bom” significa “Viva X!” — e “X é mau” significa “Abaixo X!” Uma exclamação não afirma facto algum e não é verdadeira nem falsa. Uma vez que os juízos morais são exclamações, não pode haver verdades morais, nem conhecimento moral.

Não tomes “viva” e “abaixo” à letra. O português tem muitas palavras para expressar sentimentos positivos e negativos. Em vez de “abaixo”, poderíamos dizer “tss”, “yeech”, ou “tchi”; ou poderíamos abanar o dedo em sinal de desaprovação. Isto exprime diferentes formas de sentimento e ajusta-se a diferentes contextos. Pode não haver qualquer exclamação em português que seja exactamente equivalente a “mau” (embora possamos inventar uma se o desejarmos). O que importa notar é que “mau” expressa sentimentos negativos, tal como “abaixo”, e funciona como uma exclamação.

Não confundas o nosso ponto de vista com o subjectivismo. Nós defendemos que os juízos morais expressam sentimentos mas não afirmam verdades acerca dos sentimentos. Os exemplos seguintes podem tornar a minha distinção mais clara:

Expressa apenas sentimentos (emotivismo):

Brrr!
Ha, ha!
Wow!
Viva X!

Verdades acerca dos sentimentos (subjectivismo):

Sinto frio.
Acho isso engraçado.
Estou impressionado.
Gosto de X.

Supõe que dizes “Brrr!” quando tremes de frio. O teu “Brrr!” não é literalmente verdadeiro nem falso; seria despropositado responder dizendo “É verdadeiro”. Agora supõe que dizes “Sinto frio”. Neste caso estás a dizer algo que é verdadeiro — uma vez que sentes frio. Um juízo moral é como “Brrr!” (que expressa apenas os teus sentimentos), e não como “Sinto frio” (que é uma afirmação verdadeira acerca dos teus sentimentos). Esta distinção permite-nos evitar alguns problemas do subjectivismo. Supõe que Hitler, que gostava de matar Judeus, diz “Matar Judeus é bom”. No subjectivismo, a afirmação de Hitler é verdadeira (uma vez que significa que ele gosta de matar Judeus). Isto é bizarro. Nós pensamos que a afirmação de Hitler é uma exclamação (“Viva a morte de Judeus!”) e, por isso, não é verdadeira nem falsa. Não podemos dizer que o juízo moral de Hitler é falso; mas pelo menos não temos de dizer que é verdadeiro.

Embora os juízos morais expressem os nossos sentimentos pessoais, também têm funções sociais. Usamos frequentemente juízos morais para influenciar as emoções das pessoas e estimulá-las a agir. Por exemplo, digo à minha irmã mais nova: “É bom que apanhes os teus brinquedos”. Tento que tenha sentimentos positivos acerca de apanhar os seus brinquedos — e que aja de acordo com isso.

Às vezes usamos os juízos morais para nos influenciarmos a nós mesmos. De manhã, quando o despertador toca, tenho de levantar-me para ir para o laboratório de química, embora me agradasse ficar na cama. Nessas ocasiões digo para mim mesma: “É bom levantar-me agora!” Isto é como dizer: “Viva! Levantar-me agora!” Parte de mim é uma chefe de claque que tenta influenciar a outra parte. No meu íntimo, as diferentes emoções lutam pela supremacia. Para dar outro exemplo, às vezes sinto vontade de ser desagradável com alguém, mas parte de mim diz: “Isso é mau — abaixo!”

Antes de fechar esta secção, vou apresentar outro argumento forte a favor do meu ponto de vista. O emotivismo é melhor que outros pontos de vista porque é mais simples e explica mais factos. Em filosofia, como em ciência, um ponto de vista é melhor se é mais simples e explica mais coisas.

Em primeiro lugar, o emotivismo explica a moralidade de forma mais simples. Os juízos de valor expressam sentimentos positivos ou negativos. Que poderia ser mais simples? Não usamos coisas que sejam de defesa difícil. Os sobrenaturalistas têm de defender a crença em Deus — com todas as dificuldades inerentes. E os intuicionistas têm de defender a existência de factos morais objectivos e irredutíveis. Suponhamos que és materialista e sustentas que os factos do universo em última instância podem ser expressos na linguagem da física e da química. Como se adequam os factos morais objectivos e irredutíveis a tal universo? Os factos morais são feitos a partir dos elementos químicos, ou que tipo de coisa estranha são eles? E como poderemos conhecer tais factos misteriosos? O emotivismo evita estes problemas e assim explica a moralidade com mais simplicidade.

Em segundo lugar, o emotivismo explica mais factos morais. A razão pela qual não podemos definir “bem” com termos puramente descritivos está em que “bem” é emocional. A razão pela qual não podemos resolver diferenças morais básicas intelectualmente está em que estas diferenças são emocionais (e por isso não são inteiramente intelectuais). A razão pela qual nós, seres humanos, diferimos tanto nas nossas crenças morais está em que temos sentimentos diferentes sobre as coisas. Assim que pressupomos o ponto de vista emotivista, a moralidade torna-se mais compreensível.

Por último, o emotivismo explica correctamente o que “bem” e “mal” significam. Ontem fui a um restaurante com o meu namorado. Para nos divertirmos, usámos “viva” para “bom” e “abaixo” para “mau”. Ao princípio foi cómico, mas fazia sentido. Conseguimos dizer tudo o que queríamos. E não nos pareceu que tivéssemos mudado o sentido daquilo que estávamos a dizer (como teria acontecido se tivéssemos usado, em vez de “bem”, “socialmente aprovado” ou “desejado por Deus”). Assim, o emotivismo é linguisticamente preciso. Se tens dúvidas, faz a experiência; mas não fiques surpreendido se o empregado de mesa olhar para ti espantado.

5.3 Raciocínio moral

Sou ainda a Ima. Preciso de uma terceira secção para te explicar como o emotivismo lida com os raciocínios morais.

Se pressupomos um sistema de normas, podemos raciocinar sobre questões morais. Podemos então apelar a factos empíricos para mostrar que, dadas estas normas e estes factos empíricos, segue-se uma dada conclusão moral. Supõe que todos temos o sentimento de que mentir é errado; podemos depois apelar a factos empíricos (que o presidente mentiu) para estabelecer uma conclusão moral (que o presidente agiu de forma errada). Este género de raciocínio pode ser útil num grupo que partilhe normas.

Podemos raciocinar sobre princípios morais básicos. Neste ponto podemos usar significados emocionais — mas não a razão. Imagina que estás a discutir com um nazi. O mais certo é que discordem acerca de algum princípio moral básico. Talvez tu defendas que todas as raças devem ser tratadas com respeito, enquanto ele pensa que a sua raça deve ser melhor tratada. Vemos isto como uma diferença de sentimentos, ao passo que os intuicionistas o vêem como uma diferença de intuições morais. Mas nenhum dos pontos de vista pode avançar por intermédio do raciocínio. Por conseguinte, o intuicionismo não tem qualquer vantagem prática sobre o emotivismo. Em alternativa, o emotivismo tem vantagens, uma vez que mostra que podemos avançar apelando, não à razão, mas à emoção. Para convencer os nazis, temos de fazê-los sentir de forma diferente acerca das outras raças. Temos de transformar o seu ódio e a sua hostilidade em sentimentos de amizade e tolerância.

Também na educação moral procedemos como os intuicionistas, com excepção de que falamos de sentimentos em vez de verdades. Como pais, devemos primeiro ter sentimentos claros acerca de como viver; depois podemos ensinar estes sentimentos às nossas crianças por intermédio de exemplos pessoais, instruções verbais, louvores e censuras, recompensas e castigos. Se este ensino for bem-sucedido, as nossas crianças partilharão os nossos sentimentos acerca de como viver. Mas nada as impede de mudar de sentimentos mais tarde.

As pessoas alegam às vezes que o emotivismo destruiria a moralidade e a vida moral. Mas isto é um erro. No essencial, temos os mesmos valores que os intuicionistas. A principal diferença reside em que não pensamos que haja algo objectivo por detrás dos nossos valores. Consideramos que a moralidade é sobre sentimentos e não sobre verdades. Mas apesar disso podemos ter sentimentos fortes em relação aos nossos valores.

Antes de entrares na Secção 5.4, reflecte sobre a tua reacção inicial ao emotivismo. De que é que gostas neste ponto de vista? Tens objecções?

5.4 Problemas do positivismo

A Ima Emotivista apresentou uma formulação muito clara de uma perspectiva muito importante sobre a moralidade. O seu ponto de vista constitui um desafio para todos aqueles que querem acreditar em verdades morais e em conhecimento moral e desejam que a razão tenha um papel importante na ética.

A crença da Ima no positivismo lógico levou-a ao emotivismo. Podemos formular o seu argumento do seguinte modo:

Qualquer genuína afirmação de verdade é empírica (testável por intermédio da experiência) ou analítica (verdadeira por definição).
As afirmações de carácter moral não são empíricas nem analíticas.
∴ As afirmações de carácter moral não são afirmações de verdade genuínas.

O problema aqui é que a primeira premissa, a afirmação central do positivismo lógico, refuta-se a si mesma. Presumamos que a primeira premissa é verdadeira. A premissa é empírica (testável por intermédio da experiência)? Não parece. É analítica (verdadeira por definição)? Mais uma vez, não parece. Logo, nos seus próprios termos, não é uma genuína afirmação de verdade — e, por isso, não pode ser verdadeira.

Por isso, a premissa refuta-se a si própria; se pressupomos que é verdadeira, podemos mostrar que não é verdadeira. Para vermos a objecção com mais clareza, examinemos a formulação aproximada que Ima dá do positivismo lógico:

Um ponto de vista tem que ser testável por intermédio da experiência sensível — de outra forma não tem sentido.

Esta afirmação não pode ser testada por intermédio da experiência sensível. Mas então, nos seus próprios termos, não tem sentido. Assim, a afirmação refuta-se a si mesma.

Os filósofos que adoram a ciência com frequência contradizem-se. Fazem afirmações, que não podem ser baseadas na ciência, sobre a ciência ser o único caminho para a verdade. Estes filósofos violam o nosso primeiro dever como seres racionais, que é, não a exigência impossível de que provemos todas as nossas afirmações, mas a humilde exigência de que as nossas afirmações sejam consistentes.

Ayer e os outros positivistas lógicos são pessoas lógicas e abandonaram o seu ponto de vista quando viram que se refutava a si mesmo. O seu ponto de vista também tinha outros problemas; por exemplo, revelou-se impossível dar uma definição clara de “empírico”. Poucos filósofos aceitam hoje o positivismo lógico.

5.5 Outras objecções

Embora o positivismo lógico tenha morrido há muitos anos, o emotivismo ainda floresce. A Ima explica a atracção principal do emotivismo:

O emotivismo é melhor que os outros pontos de vista porque é mais simples e explica mais factos. Em filosofia, como em ciência, um ponto de vista é melhor se é mais simples e explica mais coisas.

Admito que o emotivismo explica a moralidade de uma forma simples. Mas a verdade nem sempre é simples, e o emotivismo parece enfraquecer a moralidade. Ao negar a existência de conhecimento moral e de verdades morais, vai contra o senso comum. Mas ainda fizemos muito pouco para defender o nosso conhecimento de verdades morais básicas. Estas verdades são auto-evidentes? A grande diversidade de intuições morais leva-nos a duvidar disto. Ou são prováveis com base em factos descritivos? Moore parece ter destruído esta proposta. Enquanto não encontrarmos uma forma melhor de defender o nosso conhecimento de verdades morais, os pontos de vista que negam a existência desse conhecimento continuarão a ser plausíveis.

Devido a isto, temos de procurar problemas internos do emotivismo. Encontro dois problemas desse tipo. Ao contrário do que o emotivismo diz, os juízos morais não são sempre emocionais e não podem ser sempre traduzidos com plausibilidade na forma de exclamações.

Em primeiro lugar, os juízos morais não são sempre emocionais. Todos temos algumas crenças morais que são para nós emocionais (talvez acerca do racismo) e outras que são não-emocionais (talvez acerca do carácter errado de algumas isenções fiscais). Uma vez que os juízos morais podem ser muito não-emocionais, é implausível que os equiparemos todos a exclamações — como “Abaixo!” e “Viva!” — cujo propósito principal é expressar emoções.

Uma vez que a Ima Emotivista gosta tanto da ciência, pode fazer uma experiência para ver se os juízos morais são sempre emocionais. Pode entrevistar pessoas, prender-lhes uma engenhoca qualquer que meça as suas emoções e depois verificar se os juízos morais são sempre emocionais (como o emotivismo sustenta) ou se vão desde muito emocionais a muito não-emocionais (como defendo). Não tenho dúvidas sobre o resultado da experiência.

Um segundo problema é que “bem” e “mal” nem sempre podem ser traduzidos com plausibilidade na forma de exclamações. Considera estes exemplos:

  1. Faz o que é bom.
  2. Viva as pessoas boas!
  3. Ou é bom ir ou é mau ir.
  4. Isto é neutro (nem bom nem mau).

Eis o que obtemos se substituirmos “bem” e “mal” por exclamações:

1a. Faz o que é viva!
2a. Viva as pessoas viva!
3a. Ou é viva ir! ou é abaixo ir!
4a. Nem isto é viva! nem é abaixo!

Se usarmos as exclamações da forma normal, nenhuma destas traduções faz sentido. Por isso, algumas frases que usam “bem” e “mal” parecem não ter “viva” e “abaixo” equivalentes plausíveis.

Os subjectivistas podem traduzir com plausibilidade as minhas quatro frases. Por exemplo, traduziriam a frase 1 como “Faz o que eu gosto” ou “Faz aquilo de que eu tenha dito 'Viva!'”. Mas isto faz de “X é bom” uma afirmação verdadeira sobre sentimentos — e os emotivistas rejeitam isto. Os emotivistas afirmam que “bem” deve ser traduzido por uma exclamação.

Há ainda outro problema. Ao defender o emotivismo, Ima apela a este princípio, que é uma parte importante do método científico:

Ora “melhor” é o comparativo de “bom”. Por isso, se “bom” é traduzido por uma exclamação, então o princípio de Ima significa algo como isto:

Assim, o princípio de Ima seria a mera expressão de um sentimento — e por isso nem verdadeiro nem falso. E o mesmo aconteceria com outras normas que fazem parte do método científico:

Se fossem apenas exclamações, estas afirmações também não seriam nem verdadeiras nem falsas; por isso não seriam mais correctas que estas duas normas:

Por isso, o emotivismo, para além de destruir a objectividade da ética, também destruiria a objectividade do método científico.

5.6 O emotivismo moderado

O que mais me perturba no emotivismo é a afirmação de que não podemos raciocinar sobre princípios morais básicos.

Supõe que discordamos de um nazi acerca de um princípio moral básico. O emotivismo afirma que não podemos ir mais longe por intermédio do raciocínio; mas podemos tentar mudar os sentimentos do nazi. Contudo, o Nazi também pode tentar mudar os nossos sentimentos; historicamente, os nazis foram muito bons a manipular sentimentos. Por isso, o modelo emotivista de pensamento moral parece levar a guerras de propaganda, em que cada lado, impossibilitado de recorrer à razão, tenta simplesmente manipular os sentimentos do outro. Acho isto muito perturbador. A Ima diz que o intuicionismo também não pode raciocinar acerca de princípios morais básicos. Não podemos discutir intuições básicas tal como não podemos discutir sentimentos básicos. Ela conclui que o emotivismo e o intuicionismo estão no mesmo bote. Se isso é assim, gostaria de estar num bote diferente do deles; quero ter um método pelo qual ambos os lados se possam sentar e raciocinar juntos, em vez de apenas tentarem manipular as emoções um do outro.

Alguns emotivistas tentam introduzir mais racionalidade na ética e avançaram para um emotivismo moderado. Este ponto de vista também considera que os juízos morais são exclamações emocionais e não afirmações de verdade. Mas insiste em que os sentimentos podem ser de alguma forma apreciados racionalmente: os sentimentos informados e imparciais são os sentimentos racionais. Com base nisto, poderíamos argumentar que os princípios nazis são irracionais. Esta proposta é semelhante ao ponto de vista do observador ideal. Escolheríamos os nossos princípios seguindo os nossos sentimentos — mas primeiro desenvolveríamos sentimentos racionais (sentimentos informados e imparciais).

O emotivismo moderado concede à racionalidade um papel maior na ética. O prescritivismo de Hare, que examinaremos no próximo capítulo, vai mais longe nesta direcção.

5.7 Sumário do capítulo

5.8 Orientação do estudo (questões)

Escreve as respostas no teu caderno de ética. Caso não saibas uma delas retoma a secção onde o assunto é tratado.

  1. Como define o emotivismo o “bem”? Que método usa para formar crenças morais?
  2. Define estes termos: “afirmação de verdade”, “proposição empírica”, e “proposição analítica”. (5.1)
  3. Explica o que é o positivismo lógico e como este levou Ima a aceitar o emotivismo.
  4. Por que rejeita Ima as definições de “bem” que fazem uso de linguagem empírica (como “aprovado socialmente”)?
  5. Por que razão o namorado de Ima aceita o emotivismo?
  6. Explica como o emotivismo e o subjectivismo diferem entre si. (5.2)
  7. Supõe que Hitler, que apreciava matar Judeus, diz que “matar Judeus é bom”. Diria o subjectivismo que a afirmação de Hitler é verdadeira? E o emotivismo?
  8. Quais são as funções sociais dos juízos morais?
  9. Supõe que não te apetece fazer X. Por que razão de um ponto de vista emotivista poderá ainda fazer ainda sentido dizeres para ti próprio “É bom para mim fazer X”?
  10. Por que razão pensa Ima que o emotivismo fornece uma explicação simples para a moralidade?
  11. Por que razão não podemos, segundo o emotivismo, definir “bem” com termos descritivos?
  12. Que provas deu Ima de que o emotivismo é linguisticamente preciso?
  13. De que forma podemos raciocinar sobre questões morais? Como revela o exemplo nazi os limites do raciocínio moral? (5.3)
  14. Como aplica Ima o emotivismo à educação moral? Pensa ela que o emotivismo destruirá a moralidade?
  15. Escreve um texto que apresente em linhas gerais a tua reacção inicial ao emotivismo. Parece-te plausível? Que te agrada e desagrada nesta perspectiva? Consegues pensar numa forma de mostrar que é falso?
  16. Que objecção é feita ao positivismo lógico? (5.4)
  17. Explica a objecção que afirma que os juízos morais não são sempre emocionais. (5.5)
  18. Dá exemplos de frases com “bem” ou “mal” que não parecem poder ser traduzidas por exclamações.
  19. Explica a objecção que afirma que o emotivismo destruirá a racionalidade da ciência.
  20. Como leva o modelo emotivista de pensamento moral a uma guerra de propaganda? (5.6)
  21. O que é o emotivismo moderado?

5.9 Leituras suplementares

Para fortaleceres a tua compreensão do emotivismo, faz os exercícios de computador de “Ethics 05 — Emotivism”. O apêndice sobre os Exercícios de Computador no fim deste livro têm informação adicional sobre este e outros recursos da Internet. Defesas clássicas do emotivismo incluem o Capítulo 6 de Language, Truth and Logic de Ayer e o longo Facts and Values de Stevenson. Defesas recentes do emotivismo incluem Essays in Quasi-Realism de Blackburn e Wise Choices, Apt Feelings de Gibbard. Também de interesse é o ponto de vista semelhante apresentado no primeiro capítulo de Ethics: Inventing Right and Wrong de Mackie. Frankena defende o emotivismo moderado no último capítulo do seu Ethics. O livro de Ayer que mencionámos apresenta uma defesa clássica do positivismo lógico. Também útil são os breves textos de Passmore, “Logical Positivism”, e de Ashby, “Verifiability Principle”. A bibliografia no fim do livro informa acerca de como encontrar estas obras.

Harry J. Gensler
Ethics: A Contemporary Introduction (Routledge, Londres, 1998), pp. 59-70.
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ISSN 1749-8457