O que é exactamente encarar a literatura como arte? É amplamente reconhecido que pelo menos alguns poemas, romances e peças de teatro são genuinamente obras de arte, mas está longe de ser claro o que quer isto realmente dizer. Por que razão exclui rimas sentimentais ou cartões de aniversário ou versos cómicos apimentados ou romances de género como livros de detectives e de ficção científica? Será isto meramente um juízo de gosto sem fundamentos ou será também um juízo categorial? Há fundamentos objectivos para fazer estas distinções? Para começar, o que conta como “literatura”? E uma vez reconhecido que algo é literatura no sentido relevante, que implicações tem isso no modo como é lida, o que se procura nela, que tipos de benefícios tem e que lugar ocupa entre outras coisas que os seres humanos valorizam?
O que se segue é uma exploração filosófica destas questões e de outras análogas. Porquê “filosófica”? É esta investigação diferente da dos próprios críticos literários? Na verdade, não é diferente no sentido de pertencer a uma categoria diferente; os críticos literários podem ser filosóficos, e são-no muitas vezes. Mas pode mesmo assim parecer uma perspectiva incomum. O filósofo examina princípios fundamentais, conexões conceptuais, consequências despercebidas de certas linhas de pensamento, significância e insignificância, fronteiras onde estas são possíveis e desejáveis. E na construção de teorias, o filósofo ou a filósofa pode então ter a esperança de desenvolver uma teoria abrangente dos fenómenos que ajude a unificar, explicar e clarificar elementos difusos. A investigação filosófica da literatura é uma sondagem de práticas e procedimentos, mas não oferece uma história dessas práticas nem uma análise sociológica delas. Examina as convenções e os pressupostos subjacentes que dão às práticas a identidade distintiva que têm e tenta encontrar uma perspectiva coerente que lhes dê sentido. Contudo, a investigação de pouco vale se for demasiado abstracta, se perder contacto com as próprias obras — seja as próprias obras de arte seja as obras de crítica que as comentam — que se propõe abranger. Ao longo desta investigação, estas obras estarão em primeiro plano. Quaisquer princípios identificados ou conceitos clarificados ou teorias construídas só terão justificação nas práticas comuns dos leitores e dos apreciadores de literatura.
Este livro tem por público não apenas os filósofos mas também aquelas pessoas — tanto críticos como “leitores comuns” — que têm interesse na literatura e que gostam de explorar questões para lá dos lugares-comuns irreflectidos. O método é em grande parte “analítico” e tende a enfrentar os problemas filosóficos de frente, ao invés de o fazer através da história dos problemas. Mas não deseja confrontações com outras metodologias. Os estilos de filosofia são em grande parte uma questão de temperamento e formação. No final de contas, o que é importante é quão iluminante se consegue ser. Espera-se que quem se sente perplexo com certos aspectos da criação e apreciação literárias ganhe alguma claridade, e até algum insight, do tratamento oferecido.
No Capítulo 1, a natureza da investigação é apresentada, os seus métodos e aspirações. O que implica “filosofia da literatura”? Como se relaciona com a teoria literária ou crítica? O que está envolvido quando concebemos a literatura como “arte”? Pode a literatura ser acomodada no seio da estética ou será que isso pressupõe uma concepção irrevogavelmente ultrapassada das belles lettres? Há algum espaço para falar da experiência estética ou das qualidades estéticas ou do prazer estético em relação à literatura? De facto, faz-se soar o alarme desde o início contra perspectivas reducionistas da literatura, perspectivas, por exemplo, que tomam um modo literário como paradigmático (o poema, o romance) ou encaram os prazeres da literatura em termos puramente sensuais ou dão prioridade às respostas “naturais” ou iletradas.
No Capítulo 2, oferece-se um exame pormenorizado e crítico de tentativas de definir a literatura. O que há exactamente de distintivo na arte literária? Há alguma essência do literário, o seu uso da linguagem, talvez, ou a sua “imitação” do mundo, ou os seus poderes de expressão? Se nada há de intrínseco nas obras literárias — propriedades comuns a todas essas obras — que seja um sinal do seu carácter literário, poderão haver factores “institucionais” que as distinguem? Esta ideia é cuidadosamente explorada e avaliam-se diferentes tipos de análises institucionais. A ideia do “modo de existência” da obra literária é também levada a cabo. Poderiam as obras literárias ser meras sequências de frases?
O Capítulo 3 examina a ideia do autor. Na crítica literária do século XX o autor foi muito denegrido com a rejeição da crítica baseada na biografia, a promoção do “impessoal”, a ênfase na “autonomia”, até se chegar à “morte do autor”. Que razões poderão haver para despromover o autor desta maneira? Não será paradoxal que obras que foram ostensivamente criadas por autores sejam encaradas como se tivessem vida própria, independente dos seus autores? Os argumentos sobre o papel da intenção na crítica, e sobre se há ou não uma “falácia intencional”, são também examinados.
O Capítulo 4 é central porque examina princípios fundamentais da leitura que aparentemente têm de subjazer a qualquer concepção da literatura como arte. Longe de ser prescritivo, contudo, o capítulo procura pura e simplesmente identificar interesses profundos e comuns que os leitores têm quando abordam obras literárias de arte como arte. Presta-se atenção à “interpretação”, ao seu objectivo, ao seu fundamento e à questão de saber que relação tem com a “apreciação” da literatura.
No Capítulo 5, exploram-se as muitas facetas da ficcionalidade: por exemplo, saber se há ou não uma linha clara de demarcação entre o que é e o que não é ficção, o que é dizer uma história ou inventar uma personagem, como podemos falar com sentido sobre acontecimentos ficcionais. Que tipo de realidade tem as personagens ficcionais, se é que têm alguma? O que é um mundo ficcional e como construímos uma imagem dele? Quão similares são as personagens ficcionais e as pessoas reais? Como podem os leitores envolver-se emocionalmente a personagens sabendo que são meramente “inventados”?
O Capítulo 6 é sobre a verdade no que diz respeito à literatura. É a verdade uma aspiração da literatura, em poesia, talvez, ou obras de ficção? O que poderia querer dizer que uma obra de ficção exprime uma verdade profunda sobre a vida humana? Está a verdade proposicional longe da literatura? São as verdades literárias sui generis? Podemos aprender com a ficção tanto factos como modos de ver o mundo? Podem as grandes obras de literatura dar-nos uma melhor compreensão de nós mesmos e da vida humana? Sugere-se aqui alguma cautela. Nem sempre é claro como sustentar algumas das mais grandiosas teses dos teorizadores da “verdade”.
Finalmente, o Capítulo 7 examina directamente outros valores hipotéticos da literatura. O que distingue uma grande obra de literatura? Podem tais juízos ser objectivamente feitos? O que se quer dizer com “cânone” literário? As obras tornam-se canónicas devido aos seus méritos literários intrínsecos, ou há factores políticos em jogo? Como se relaciona o valor literário com a interpretação? A ética terá alguma coisa a ver com o valor literário? Poderia uma obra imoral ser valiosa de um ponto de vista literário?
Estas são, então, apenas algumas das questões que surgem na filosofia da literatura. Este livro procura explorá-las em pormenor, não caracterizando apenas os argumentos principais das diferentes perspectivas — apesar de tentar também fazer isso — mas também contribuir para os debates e avaliando os argumentos. A postura do livro não é inteiramente neutra, desenvolvendo antes uma linha de pensamento que conecta as questões entre si, formando uma perspectiva que se espera que o leitor considere persuasiva e adequada. Mas, em última análise, ver quais são os problemas e pensar sobre eles exaustivamente pode ser tão importante como estabelecer umas quaisquer conclusões finais. O domínio literário é algo no qual todos participamos em certa medida; reflectir sobre qual é exactamente o lugar que a literatura tem de facto nas nossas vidas pode aumentar a nossa apreciação da literatura e tornar-nos mais cientes do génio que subjaz às suas maiores produções.