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Crítica
31 de Janeiro de 2006   Metafísica

Acção

Jennifer Hornsby
Tradução de Desidério Murcho

Define-se por vezes uma acção como o fazer intencional de alguém. O fenómeno da acção humana deve a sua importância tanto a questões sobre o estatuto metafísico dos agentes, como a questões éticas e legais sobre a liberdade e responsabilidades humanas. Recentemente, muitos filósofos pensaram que uma explicação (do fenómeno) da acção devia passar por uma explicação das acções (enquanto acontecimentos). Quando se define uma acção como o fazer intencional de alguém, as acções são entendidas como um género de acontecimento, sendo estes entendidos como particulares que podem ser descritos de múltiplas maneiras. Deste ponto de vista, o movimento dos dedos de Jane no teclado, que resulta em sons de piano, é o acto de tocar piano da Jane. Assim, Jane faz duas coisas — movimenta os seus dedos e toca piano — apesar de haver aqui apenas uma acção. Tipicamente, quem faz algo faz várias coisas “ligadas”, cada uma das quais é feita fazendo outra ou ao fazer outra. [Chama-se “acção básica” ao que se faz directamente, e não fazendo outra coisa; o movimento dos dedos de Jane no piano constitui uma acção básica; tocar piano, não.] De acordo com a definição, para existir uma acção uma pessoa só tem de ter feito intencionalmente pelo menos uma das coisas que fez. Assim, quando Jane acorda os vizinhos isso pode ser uma acção, ainda que não os tenha acordado intencionalmente: é uma acção se os acordou porque estava a tocar piano e se estava a tocar piano intencionalmente. [Ainda que não os tenha acordado intencionalmente, acordá-los é uma acção de Jane.]

Quando se combina esta definição com a ideia que é ao mover o seu corpo que uma pessoa faz algo, afirma-se que as acções são movimentos corporais: toda a acção é um acontecimento de uma pessoa movimentar o seu corpo (todo ou em parte).

A definição não é incontroversa. Alguns filósofos (como Goldman) negam que uma pessoa fazer uma coisa possa ser o mesmo do que ela fazer outra; pensam que os acontecimentos devem ser “estritamente individuados”, e não “latamente individuados”, de modo que só algumas acções, mas não todas, são movimentos corporais. Outros filósofos negam que as acções sejam acontecimentos, de todo em todo: ou pensam que não há acontecimentos particulares, ou aceitam a existência de acontecimentos mas declaram que as acções não são acontecimentos.

Mesmo um proponente da definição aceita que ela não abrange todos os casos em que se podem fazer atribuições de acção responsável.

1. Pode-se dizer que uma pessoa fez algo ao manter-se totalmente quieta — não ocorrendo, aparentemente, quaisquer acontecimentos. Em tais casos, parece intuitivamente correcto dizer que há uma acção particular só se a pessoa ficou intencionalmente quieta. Assim, pode-se ainda pensar que “fazer algo intencionalmente” é a marca da acção: pode-se pensar que a definição original está basicamente correcta, mas tem de se admitir que nem sempre há um acontecimento quando há uma acção particular, e que nenhuma ligação completamente geral existe entre as acções e os movimentos corporais.

2. Uma pessoa pode ser responsável por fazer algo que não fez intencionalmente: por exemplo, quando ela dá origem a um fogo ao deitar fora, descuidadamente, o seu cigarro acesso. Para abranger casos como este, são necessários mais recursos do que a palavra “intencionalmente”. Mas uma elucidação complementar de “intencionalmente” pode pôr a nu uma série de conceitos que podem por sua vez iluminar uma concepção lata da acção responsável.

Pode-se argumentar que quando uma pessoa faz algo intencionalmente isso resulta sempre de essa pessoa ter uma crença qualquer e um desejo, que conjuntamente constituem a razão que ela tem para fazer o que fez. A definição de acção pode então ser parte de uma perspectiva de acordo com a qual é um certo género de história causal que distingue as acções de outros acontecimentos. Esta perspectiva caiu em descrédito nas décadas de cinquenta e sessenta do século XX, mas a sua credibilidade foi entretanto restabelecida. Esta perspectiva tem muitas variantes. Numa versão empirista tradicional, toda a acção é causada por uma volição. Por vezes, a versão tradicional é substituída pela tese de que toda a acção é em si o acontecimento de alguém tentar fazer algo: a sugestão é que uma pessoa é levada a tentar fazer o que tem razões para fazer e, então, quando a sua tentativa tem realmente o efeito que ela quer, como acontece geralmente, é ela que faz isso intencionalmente.

Apresentar as razões de uma pessoa é uma questão de dizer por que razão ela fez o que fez, de modo que a ideia de que há um tipo especial de explicação — a explicação de acções — entra em jogo quando se concebem as acções como o resultado de alguém ter razões. [E é um problema filosófico adicional saber qual é a diferença, se existir alguma, entre ter razões para fazer algo e ser causado a fazer algo.] Introduz-se também a ideia de que há um tipo especial de raciocínio a partir da qual se gera a acção — o raciocínio, deliberação ou razão prática, a explicação do qual exige compreender (pelo menos) a crença, o desejo, a valorização, a intenção e a escolha.

Jennifer Hornsby
Oxford Companion to Philosophy, ed. Ted Honderich (Oxford University Press, 1995)
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ISSN 1749-8457