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Crítica
5 de Março de 2004   Ética

Teorias sobre a ética

Hugh LaFollette
Tradução de Desidério Murcho

Ao decidir como agir, somos muitas vezes confrontados com incertezas, confusões ou conflitos entre as nossas inclinações, desejos ou interesses. As incertezas, confusões e conflitos podem surgir mesmo que a nossa única preocupação seja promover o nosso interesse próprio. Podemos não saber quais são os nossos melhores interesses: podemos pura e simplesmente ter adoptado algumas ideias erradas dos nossos pais, amigos ou cultura. Fossem os nossos pais nazis, por exemplo, e poderíamos pensar que manter a pureza da raça é o nosso mais importante objectivo pessoal. Podemos confundir os nossos objectivos e os nossos interesses: queremos manipular as outras pessoas e inferimos que as relações pessoais mais chegadas são obstáculos aos nossos interesses. Mesmo quando conhecemos alguns dos nossos interesses, podemos ser incapazes de os organizar em termos da sua importância relativa: podemos presumir que a riqueza é mais importante do que desenvolver o carácter e ter relações pessoais mais chegadas. Outras vezes podemos saber quais são os nossos interesses mas não saber bem como resolver conflitos entre eles: posso precisar de escrever um ensaio, mas apetecer-me ir passear. Mesmo que eu saiba qual é a melhor escolha, posso não agir de acordo com ela: posso saber precisamente que é do meu interesse de longo prazo perder peso e, no entanto, decido comer uma tarte deliciosa.

Estas complicações mostram por que razão a melhor maneira de alcançar os meus objectivos é deliberar racionalmente sobre os meus interesses próprios — ou seja, dar os primeiros passos em direcção a uma teoria sobre os meus interesses próprios. Posso por vezes ter de recuar e pensar de forma mais abstracta sobre a) o que significa algo ser um interesse (em vez de ser meramente um desejo), b) para descobrir que objectos e comportamentos ou objectivos mais provavelmente me permitirão alcançar os meus interesses, c) para compreender as interconexões entre os meus interesses (por exemplo, o modo como a saúde me dá mais hipóteses de alcançar outros interesses) d) para encontrar uma maneira de proceder para enfrentar conflitos e e) para aprender a agir face ao resultado da deliberação racional. Tal teorização pode guiar a prática: pode ajudar-nos a agir de modo mais prudente.

Como é evidente, a maior parte das acções — talvez a maioria — não dizem apenas respeito apenas a nós; dizem respeito também aos outros, e dizem-lhes respeito de muitíssimos modos diferentes. Algumas das minhas acções podem beneficiar outras pessoas, ao passo que outras podem prejudicá-las, directa ou indirectamente, intencionalmente ou não. Posso prejudicar o João directamente empurrando-o. Posso empurrá-lo porque estou zangado com ele ou porque quero ficar com o lugar dele. Ou posso prejudicar o João indirectamente, por exemplo, obtendo eu a promoção de que ele precisava para financiar cuidados para a sua mãe, que se encontra às portas da morte. Ou posso ofender o João entregando-me em privado ao que ele pensa serem práticas sexuais bizarras. Se o fizer, as minhas práticas privadas afectam-no, apesar de apenas indirectamente, e só por causa das suas crenças morais. É defensável que é inapropriado dizer que prejudiquei o João nestes dois últimos casos, ainda que tenha escolhido agir como agi sabendo que as minhas acções o poderiam afectar (ou afectar outra pessoa) do modo descrito.

Em suma, ao escolher como agir, devo reconhecer que muitas das minhas acções afectam outras pessoas, ainda que apenas indirectamente. Nestas circunstâncias, tenho de escolher se quero atender aos meus interesses próprios ou se devo atender (ou pelo menos não prejudicar) os interesses alheios. Outras vezes, tenho de escolher agir de modos que podem prejudicar algumas pessoas apesar de beneficiar outras. Posso ocasionalmente encontrar maneiras de promover os interesses de toda a gente sem prejudicar ninguém. Ocasionalmente, mas não sempre. Talvez nem mesmo frequentemente.

Saber isto não resolve o problema de saber como devo agir; limita-se a determinar o domínio da moralidade. A moralidade, entendida tradicionalmente, envolve primariamente, e talvez exclusivamente, o comportamento que afecta os outros. Digo talvez porque algumas pessoas (por exemplo, Kant) pensam que uma pessoa que se prejudica a si mesma (por exemplo, desperdiçando os seus talentos ou maltratando o seu corpo) está a fazer algo moralmente errado. Para os nossos propósitos, contudo, podemos deixar de lado esta interessante e importante questão. Pois o que toda a gente reconhece é que as acções que claramente afectam os outros pertencem ao domínio da moralidade.

Podemos discordar sobre como deve o facto de uma acção afectar outras pessoas negativamente dar forma à nossa decisão sobre como agir. Podemos também discordar se as acções que afectam os outros apenas indirectamente devem ser moralmente avaliadas, e até que ponto. Podemos discordar, além disso, sobre como se distingue o prejuízo directo do indirecto. Todavia, se as acções de alguém afectam outra pessoa directa e substancialmente (beneficiando-a ou prejudicando-a), então, mesmo que não saibamos ainda se a acção foi correcta ou incorrecta, podemos concordar que deve ser avaliada moralmente. Como a devemos avaliar é algo que discutirei depois.

Mas primeiro devo sublinhar perigos relacionados mas opostos que devemos evitar. O primeiro é que podemos inferir da discussão prévia que a maior parte das decisões morais são complicadas ou confusas. Isto é um engano. Pois muitas “decisões” morais são muito fáceis de tomar — tão fáceis que nunca pensamos acerca delas. Ninguém discute seriamente se uma pessoa deve drogar um colega para ter relações sexuais com ele, ou se deve roubar dinheiro dos colegas para financiar uma viagem à Riviera, ou se deve com conhecimento de causa infectar alguém com o vírus da SIDA. Não é sobre estas coisas que temos desacordos morais. Sabemos muito bem que as acções desse tipo estão erradas. Na verdade, atrevo-me a dizer que a maior parte das questões morais têm uma resposta tão simples que nunca as levantamos. Ao invés de discutir estas “questões” óbvias, centramos a nossa atenção e pensamos e debatemos unicamente as que são pouco claras e sobre as quais há desacordos genuínos.

Contudo, cometemos também por vezes o erro de pressupor que uma decisão é fácil quando, de facto, não é. Este extremo oposto é igualmente um erro grave (ou talvez mais grave). Podemos não ver os conflitos, confusões ou incertezas: o que está em causa pode ser tão complicado que deixamos passar, não percebemos ou não nos damos conta de que as nossas acções afectam os outros (por vezes profundamente). A preocupação com o nosso interesse próprio pode impedir-nos de ver que o nosso comportamento afecta significativamente os outros, ou pode levar-nos a dar um peso inadequado aos interesses alheios. Além disso, a nossa aceitação acrítica do status quo moral pode levar-nos a não prestar atenção ao facto de alguns dos nossos comportamentos e instituições estarem errados. A ampla aceitação de uma prática não garante a sua correcção.

A necessidade de teoria

Quando reflectimos sobre os nossos pensamentos, acções e escolhas, vemos que as nossas perspectivas são fortemente influenciadas por outras. Podemos pensar que uma acção é fortemente imoral, mas não saber exactamente porquê. Ou podemos pensar que sabemos porquê, descobrindo depois de um exame cuidado que estamos apenas a papaguear “razões” oferecidas pelos nossos amigos, professores, pais ou padres. Claro que nada há de errado em ter em consideração o que os outros pensam e as decisões que tomaram no que respeita a questões morais análogas. Na verdade, seríamos tolos se não absorvêssemos e não beneficiássemos da sabedoria alheia. Contudo, qualquer pessoa que tenha o mais pequeno conhecimento histórico reconhecerá que a sabedoria colectiva, tal como a sabedoria individual, está por vezes errada. Os nossos antecessores tinham escravos, negavam o direito de voto às mulheres, praticavam o genocídio e queimavam bruxas em fogueiras. Suspeito que a maior parte dessas pessoas eram moralmente decentes e estavam firmemente convencidas que as suas acções eram morais. Agiram de forma errada porque não foram suficientemente autocríticas. Não avaliaram as suas próprias crenças; adoptaram sem questionar a perspectiva dos seus antecessores, líderes políticos, professores, amigos e comunidade. Quanto a isto, não estão sozinhos. Este é um “pecado” de que todos somos culpados. A grande lição da história é que temos de escrutinar as nossas crenças, escolhas e acções, para nos assegurarmos de que estamos informados, somos consistentes, imaginativos, imparciais e de que não estamos a repetir sem pensar as perspectivas dos outros. Caso contrário, podemos perpetrar males que poderíamos evitar, males pelos quais as gerações futuras nos condenarão, e com razão.

Uma maneira importante de avaliar criticamente as nossas perspectivas é teorizar sobre a ética: pensar sobre questões morais de forma mais abstracta, mais coerente e mais consistente. Teorizar não é uma coisa divorciada da prática; é apenas a reflexão cuidada, sistemática e bem pensada sobre a nossa prática. Teorizar, neste sentido, não irá impedir-nos de errar, mas dá-nos o poder para abandonar considerações mal concebidas, desinformadas e irrelevantes. Para explicar o que quero dizer, pensemos por momentos sobre um tema caro à maior parte dos estudantes: as notas. Quando dou notas aos estudantes, posso errar pelo menos de três modos:

  1. Posso usar padrões inconsistentes de classificações. Isto é, posso usar diferentes padrões para classificar estudantes diferentes: a Joana tem 20 porque tem um sorriso bonito; o Rodolfo porque é muito trabalhador; a Raquel porque o ensaio dela era excepcional. É claro que saber que devo usar um sistema unificado de classificação não me diz que padrões devo usar ou que classificação cada estudante deve ter. Talvez todos merecessem o 20 que receberam. Contudo, não é suficiente que eu acidentalmente lhes tenha dado a classificação que mereciam. Eu devia ter-lhes dado 20 porque o mereciam e não por causa de considerações irrelevantes. Pois se eu usar considerações irrelevantes, darei geralmente classificações erradas aos estudantes, apesar de, nestes casos específicos, eu poder fortuitamente ter-lhes dado as classificações apropriadas.

  2. Posso ter padrões de classificação impróprios. Não é suficiente que eu tenha padrões invariantes. Afinal de contas, posso ter padrões péssimos aos quais adiro de forma consistente. Por exemplo, posso dar notas mais altas, consistentemente, aos estudantes de que gosto mais. Se o fizer, classifico os estudantes de forma inapropriada, ainda que seja consistente.

  3. Posso aplicar os padrões de forma inapropriada. Posso ter padrões consistentes e apropriados e no entanto aplicá-los mal porque sou ignorante ou tacanho, ou porque estou exausto ou preocupado, ou porque não estou a prestar atenção.

Podemos cometer “erros” paralelos nas deliberações éticas; por exemplo:

  1. Posso usar princípios éticos inconsistentes.
  2. Posso ter padrões morais inapropriados.
  3. Posso aplicar princípios morais de forma inapropriada.

Vejamos cada erro de deliberação com maior pormenor.

Consistência: Devemos tratar duas criaturas do mesmo modo a não ser que tenham diferenças relevantes, isto é, diferenças que justifiquem um tratamento diferenciado. Tal como os estudantes esperam dos seus professores classificações consistentes, esperamos de nós mesmos e dos outros que tomem decisões morais consistentemente. A procura de consistência é omnipresente no nosso pensamento sobre a ética. Uma estratégia comum para defender pontos de vista morais é afirmar que são consistentes; uma estratégia comum para criticar pontos de vista é acusá-los de inconsistência.

O papel argumentativo da consistência é evidente na discussão de todas as questões morais práticas. Considere-se o papel que desempenha no debate sobre o aborto. Quem disputa este tema passa grande parte do tempo a defender que as suas próprias posições são consistentes, ao mesmo tempo que acusam os seus opositores de ter posições inconsistentes. Cada lado da disputa procura mostrar por que razão é (ou não é) análogo de forma relevante a casos canónicos de assassínio. A maior parte das pessoas que pensam que o aborto é imoral (e muito provavelmente todos os que pensam que deve ser ilegal) afirmam que o aborto é análogo de forma relevante ao assassínio, ao passo que quem pensa que o aborto deve ser legal afirmam que o aborto é relevantemente diferente do assassínio. O que não encontramos é pessoas que pensem que o aborto é um assassínio e, contudo, totalmente moral.

A consistência desempenha igualmente um papel central nos debates sobre a liberdade de opinião ou discurso e sobre o paternalismo e o risco. Quem se opõe à censura argumenta muitas vezes que os livros, quadros, filmes, peças de teatro ou esculturas que algumas pessoas querem censurar são análogas de forma relevante a outras manifestações artísticas que a maior parte de nós não queremos ver censurada. Afirmam ainda que a pornografia é uma forma de discurso e que se pode ser proibida porque a maioria a acha ofensiva, então a consistência exige que censuremos qualquer discurso que ofenda a maioria. Conversamente, quem defende que podemos legitimamente censurar a pornografia procura por todos os meios explicar por que razão a pornografia é relevantemente diferente de outras formas de discurso que queremos proteger. Ambos os lados da disputa querem mostrar que a sua posição é consistente e que a posição contrária é inconsistente.

Apesar de a consistência ser geralmente reconhecida como um requisito da moralidade, em casos específicos é muitas vezes difícil detectar se uma pessoa é (ou foi) consistente ou inconsistente. Uma pessoa pode parecer agir de forma consistente ou inconsistente unicamente porque não estamos a ver a complexidade do seu raciocínio moral, ou porque não compreendemos os pormenores relevantes. Como veremos, determinar o que é moralmente relevante ou não está muitas vezes no centro de muitas discussões morais. Contudo, o que toda a gente reconhece é que se uma pessoa for inconsistente, então isso é uma razão forte para rejeitar a sua posição a não ser que possamos encontrar uma forma de eliminar essa inconsistência.

Princípios correctos: Não basta ser consistente. Temos também de usar directrizes, princípios e padrões apropriados, ou de fazer juízos apropriados. Teorizar sobre a ética é uma boa maneira de discernir os melhores padrões e directrizes (os mais defensáveis), de identificar as características moralmente relevantes das nossas acções, de aumentar a nossa capacidade para fazer bons juízos. Mais abaixo irei discutir como se seleccionam e defendem esses princípios — como determinamos o que é moralmente relevante.

“Aplicação” correcta: Mesmo que “saibamos” o que é moralmente relevante, e mesmo que raciocinemos consistentemente, podemos cometer erros. Considere-se as maneiras como posso aplicar mal as “regras” que proíbem a) a mentira e b) magoar os outros. Suponha-se que a minha mulher chega a casa com uma camisola nova muito garrida e quer saber se eu gosto da camisola. Presumivelmente, não devo nem mentir nem intencionalmente magoar os outros. Nestas circunstâncias, o que devo fazer? Há várias maneiras de agir de modo inapropriado. 1) Posso não ver alternativas viáveis: posso pressupor, por exemplo, que devo mentir fortemente ou então magoá-la bastante. 2) Posso prestar pouca atenção às suas necessidades e interesses: posso não dar suficiente atenção ou dar demasiada atenção à questão de saber quão profundamente magoada ela ficará se eu for honesto (ou se não for honesto). 3) Posso ser incorrectamente influenciado pelo interesse próprio ou pela parcialidade pessoal: posso mentir não para não a magoar mas porque não quero que ela fique zangada comigo. 4) Posso saber precisamente o que devo fazer, mas não estar suficientemente motivado para o fazer: Posso mentir porque não quero incómodos. 5) Ou posso estar motivado para agir como devo agir, mas não ter o talento ou aptidão para o fazer: quero ser honesto, mas não tenho as aptidões verbais ou pessoais para ser honesto de um modo que não a magoe.

Em todos estes casos há erros com significado moral prático. Seria melhor para todos se tivéssemos as características pessoais que nos permitissem evitar estes e outros erros morais. Em última análise, devemos aprender a dar mais atenção aos outros, estar melhor informados e estar melhor motivados. […]

Será tudo uma questão de mera opinião?

Muitas pessoas acham estranho falar de padrões morais e da aplicação desses padrões. Algumas pessoas pensam que os juízos morais são apenas “questões de opinião” — e sem dúvida que muitas pessoas falam como se o pensassem. Todos nós ouvimos pessoas “concluir” um debate sobre uma questão moral contenciosa dizendo: “Bem, em qualquer caso, é tudo uma questão de opinião!” Suspeito que a verdadeira função desta afirmação é mostrar que quem o diz quer, por alguma razão, terminar o debate. Talvez essa pessoa pense que a outra é irracional e que, por isso, já nada se ganha com o debate. Infelizmente, esta afirmação parece dar a entender algo mais, pois sugere que, dado que os juízos morais são apenas opiniões, então todas as opiniões são igualmente boas (ou igualmente más). Implica que não podemos criticar ou escrutinar racionalmente os nossos juízos morais (nem os de qualquer outra pessoa). Afinal de contas, não criticamos racionalmente meras opiniões.

Será isto defensável? Não vejo como poderá sê-lo. Mesmo que nenhuns juízos morais (contenciosos) fossem indiscutivelmente correctos, não deveríamos concluir que todos os juízos morais são igualmente falíveis. Apesar de não termos uma maneira clara de decidir com toda a certeza que acções são as melhores, temos maneiras excelentes de mostrar que algumas são deficientes. Sabemos, por exemplo, que os juízos morais são maus se forem baseados em informação distorcida, tacanhez, parcialidade, falta de compreensão ou princípios morais completamente bizarros. Conversamente, os juízos são mais plausíveis, mais defensáveis, se forem baseados em informação completa, cálculo cuidado, percepção astuta, e se tiverem sobrevivido com êxito à crítica alheia no mercado de ideias.

Considere-se a seguinte analogia: nenhumas regras de gramática ou de estilo irão determinar de forma precisa o modo como devo construir a frase seguinte. Contudo, não se deve daí concluir que posso usar apropriadamente qualquer sequência de palavras. Alguns amontoados de palavras não são frases e algumas frases são uma completa algaraviada. Outras frases podem estar gramaticalmente correctas — e até ser elegantes — e no entanto ser inapropriadas porque não têm qualquer conexão com as frases anteriores ou seguintes. Todas essas colecções de palavras são claramente inaceitáveis nestas circunstâncias, mas noutros contextos as mesmas palavras poderão ser apropriadas. Muitas outras frases estão gramaticalmente correctas, são relevantes e minimamente claras, e contudo têm outras falhas. Podem ser algo vagas, por exemplo, ou imprecisas. Outras frases podem ser compreensíveis, relevantes e em geral precisas, mas ser garridas ou falhas de estilo. Algumas frases alternativas podem ser todas adequadas, de modo que não haverá qualquer razão forte para preferir umas a outras. Talvez algumas sejam particularmente brilhantes. Nenhum manual de gramática nos permitirá fazer todas estas distinções, nem nos dará a capacidade para identificar claramente as melhores frases. E mesmo que as pessoas em geral (ou até os melhores escritores) discutissem os méritos e deméritos de cada uma das frases, seria improvável que se decidisse que só uma delas é a melhor. Todavia, não temos problemas em distinguir o lixo estilístico ou o inaceitavelmente vago do sublime linguístico. Em suma, não temos de pensar que uma frase é a única boa para reconhecer que algumas são melhores e outras piores. O mesmo acontece em ética. Podemos nem sempre saber como agir; podemos enfrentar desacordos substanciais sobre algumas questões éticas muito contenciosas. Mas daqui não se deve inferir que todas as ideias morais são iguais.

Não se deve igualmente ignorar o facto óbvio de que as circunstâncias exigem muitas vezes a nossa acção, ainda que não existe, ou não consigamos ver que existe, uma só acção moral apropriada. Contudo, a nossa incerteza não nos leva a pensar que todas as perspectivas são iguais, nem a agir como se o fossem. Não mandamos uma moeda ao ar para decidir se devemos desligar a máquina que mantém os nossos pais vivos, ou para decidir com quem vamos casar, ou que emprego aceitar ou se uma pessoa acusada de um dado crime é culpada. Devemos procurar tomar uma decisão informada, baseada nos melhores indícios, agindo depois de acordo com isso, ainda que os melhores indícios nunca garantam a certeza. Para tomar uma decisão informada devemos compreender as questões relevantes, adoptar uma perspectiva de mais longo prazo, pôr de lado parcialidades irracionais, e inculcar uma vontade de sujeitar as nossas conclusões hipotéticas à crítica alheia.

Afinal de contas, as nossas acções afectam os outros profundamente, por vezes, e as circunstâncias podem exigir a nossa acção. Não devemos lamentar a nossa incapacidade para ter a certeza de que descobrimos aquela acção que é a melhor; devemos pura e simplesmente fazer a melhor escolha que nos for possível. Devemos, é claro, reconhecer a nossa incerteza, admitir a nossa falibilidade e estar preparados para considerar novas ideias, especialmente quando são sustentadas por argumentos fortes. Contudo, não temos necessidade de abraçar qualquer forma perniciosa de relativismo. Isso seria não apenas uma confusão. Seria também um erro moral.

O papel da teoria

Mesmo quando as pessoas concordam que uma questão deve ser avaliada, pelo menos parcialmente, por critérios de moralidade, discordam muitas vezes sobre o modo de a avaliar. Ou, para usar a linguagem da secção anterior, as pessoas discordam sobre os melhores princípios ou juízos, sobre como os interpretar ou sobre como os devemos aplicar. Em resultado disso, duas pessoas razoáveis e decentes podem chegar a conclusões completamente diferentes sobre se uma acção é moralmente apropriada. Eis um caso que claramente exige a avaliação racional das nossas acções. Devemos examinar, tentar compreender e depois avaliar as nossas próprias razões e as razões das outras pessoas a favor das nossas conclusões morais, ou das delas. Afinal de contas, as pessoas têm habitualmente razões — ou pensam que têm — a favor das suas conclusões.

Por exemplo, as pessoas anti-aborto argumentam que o aborto é injustificado porque o feto tem o mesmo direito à vida do que um adulto normal, ao passo que as pessoas favoráveis ao aborto argumentam que o aborto deve ser legal porque a mulher tem o direito de decidir o que acontece no seu corpo e ao seu corpo. Quem apoia a pena de morte argumenta que as execuções dissuadem o crime, ao passo que os oponentes argumentam que é cruel e desumano. Quem defende que a pornografia deve ser censurada defende que degrada as mulheres, ao passo que os seus defensores argumentam que é uma forma de discurso livre que deve protegido por lei.

Ao dar razões a favor dos seus juízos, as pessoas citam habitualmente algumas características da acção que consideram que explicam ou reforçam essa avaliação. Esta função das razões não se limita aos desacordos éticos. Posso justificar a minha afirmação de que Fargo é um bom filme afirmando que tem personagens bem definidas, um enredo interessante e a tensão dramática apropriada. Isto é, identifico características do filme que penso que justificam a minha avaliação. As características que cito, contudo, não são exclusivas deste filme. Ao dar estas razões estou a dar a entender que ter personagens bem definidas ou ter um enredo interessante ou ter a tensão dramática apropriada são características importantes dos filmes bons, sem mais. Isto não significa que estas são as únicas ou até as mais importantes características. Nem é ainda uma decisão quanto ao peso correcto a dar a estas características. Contudo, significa que se um filme tem qualquer destas características, então temos uma razão para pensar que é um bom filme.

Pode-se pôr em causa a minha avaliação do filme de três modos diferentes: podemos pôr em causa os meus critérios, o peso que lhes dou ou a aplicação que faço deles (isto é, a afirmação de que o filme satisfaz os critérios). Por exemplo, pode-se argumentar que ter personagens bem definidas não é um critério relevante, que dei demasiado peso a esse critério, ou que Fargo não tem personagens bem definidas. Em defesa da minha afirmação posso explicar por que razão penso que é um critério relevante, que lhe dei um peso apropriado e que as personagens do filme estão bem desenvolvidas. Neste ponto, estamos a discutir duas questões relacionadas que surgem em “níveis diferentes”. Estamos a debater como avaliar um filme em particular, e estamos a discutir os méritos teóricos de diferentes critérios do que é um bom filme.

Analogamente, quando discutimos uma questão ética prática, discutimos não apenas essa questão particular mas também, quer nos apercebamos disso ou não, questões de nível mais elevado sobre as questões teóricas subjacentes. Não queremos saber apenas se a pena de morte dissuade o crime; queremos igualmente saber se a dissuasão é moralmente importante e, se o for, quão importante o é. Quando a teorização chega a um certo nível ou complexidade e sofisticação, podemos começar a dizer que temos uma teoria. As teorias éticas são apenas discussões formais e mais sistemáticas destas questões teóricas de segundo nível. São os esforços dos filósofos para identificar os critérios morais relevantes, o peso ou significado de cada critério, e para oferecer alguma orientação sobre como podemos determinar se uma acção satisfaz esses critérios. Na próxima secção, irei esboçar brevemente algumas das teorias éticas mais comuns.

Antes, contudo, é melhor chamar a atenção para o seguinte: Ao pensar sobre teorias éticas, podemos ser tentados a pressupor que as pessoas que defendem a mesma teoria farão os mesmos juízos éticos práticos, e que quem faz os mesmos juízos éticos práticos aceitam a mesma teoria. Isto não é verdade. Isso não acontece com quaisquer juízos avaliativos. Por exemplo, duas pessoas com critérios análogos para bons filmes podem avaliar de forma diferente o filme Fargo, ao passo que duas pessoas que gostaram de Fargo podem ter critérios (algo) diferentes para bons filmes. O mesmo acontece em ética. Duas pessoas com diferentes teorias éticas podem, mesmo assim, concordar que o aborto é moralmente permissível (ou gravemente imoral), ao passo que dois partidários da mesma teoria podem avaliar o aborto de formas diferentes. Conhecer os compromissos teóricos de alguém não nos diz de forma precisa que acções essa pessoa pensa que são certas ou erradas. Diz-nos apenas de que forma essa pessoa pensa nas questões morais — que critérios de relevância ela usa e o peso que lhes dá.

Tipos principais de teorias

Há duas grandes classes de teorias éticas — consequencialistas e deontológicas — que têm dado forma ao entendimento que a maior parte das pessoas tem da ética. Os consequencialistas defendem que devemos escolher a acção disponível que têm as melhores consequências globais, ao passo que os deontologistas defendem que devemos agir de modos circunscritos por regras e direitos morais e que estas regras ou direitos se definem (pelo menos em parte) independentemente das consequências. Vejamos cada uma das teorias separadamente. Estas descrições serão necessariamente ultra-simplificadas e algo vagas. Ultra-simplificadas porque não temos espaço suficiente para fornecer uma exposição completa das duas teorias. Vaga porque mesmo quem defende estas teorias discorda sobre a sua interpretação correcta. Contudo, estas descrições deverão ser suficientes para ajudar o leitor a compreender os aspectos mais gerais das teorias. […]

Consequencialismo

Os consequencialistas defendem que temos a obrigação de agir de forma a produzir as melhores consequências. Não é difícil ver por que razão se trata de uma teoria muito apelativa. Em primeiro lugar, apoia-se no mesmo estilo de raciocínio que usamos ao tomar decisões puramente prudenciais. Se estamos a tentar escolher a universidade a que nos vamos candidatar, iremos ter em consideração as opções disponíveis, iremos prever os resultados prováveis de cada uma delas e tentaremos determinar o seu valor relativo. Feito isto, escolhemos a universidade que oferecer o melhor resultado previsto.

O consequencialismo usa o mesmo quadro de referência, mas inclui os interesses dos outros na “equação”. Quando enfrentamos uma decisão moral, devemos considerar as acções alternativas disponíveis, traçar as consequências morais prováveis de cada uma delas, e depois seleccionar a alternativa com as melhores consequências para todos os envolvidos. Quando descrita desta forma vaga, o consequencialismo é claramente uma teoria apelativa. Afinal de contas, parece difícil negar que alcançar o melhor resultado possível seria bom. O problema, claro, é decidir que consequências devemos ter em consideração e o peso que devemos dar a cada uma delas. Pois sem sabermos isso não podemos saber como raciocinar sobre a moralidade.

O utilitarismo, a forma mais comum de consequencialismo, tem uma resposta. Os utilitaristas afirmam que devemos escolher a opção que maximiza “a maior felicidade para o maior número”. Defendem igualmente a completa igualdade: “cada qual conta como um e não mais de um”. Claro que podemos discordar sobre o que significa exactamente a maximização da maior felicidade do maior número; e podemos ter dúvidas sobre como se alcança tal coisa. Os utilitaristas dos actos defendem que determinamos a correcção de uma acção se podemos decidir que acção, nessas circunstâncias, teria mais probabilidades de promover a maior felicidade para o maior número. Os utilitaristas das regras, contudo, rejeitam a ideia de que as decisões morais devam ser decididas caso a caso. Segundo eles, não devemos decidir se é provável que uma acção particular promova a maior felicidade para o maior número, mas se um tipo particular de acção iria promover, se fosse seguida pela maior parte das pessoas, a maior felicidade para o maior número.

Assim, parece que um utilitarista dos actos poderia decidir que uma mentira, num caso particular, se justifica porque maximiza a felicidade de todos os envolvidos, ao passo que o utilitarista das regras poderia defender que, uma vez que se toda a gente mentisse, isso diminuiria a felicidade, seria melhor adoptar uma regra forte contra a mentira. Devemos obedecer a esta regra ainda que, num caso particular, mentir possa parecer promover melhor a maior felicidade do maior número.

Deontologia

As teorias deontológicas contrastam na sua maior parte com as teorias consequencialistas. Ao passo que os consequencialistas defendem que devemos sempre procurar promover as melhores consequências, os deontologistas defendem que as nossas obrigações morais — sejam elas quais forem — são de algum modo e em certo grau independentes das consequências. Assim, se eu tenho a obrigação de não matar, roubar ou mentir, estas obrigações estão justificadas não apenas porque seguir tais regras produz sempre as melhores consequências.

É por isso que tantas pessoas acham que as teorias deontológicas são tão atraentes. Por exemplo, a maior parte de nós ficaria ofendida se alguém nos mentisse, ainda que essa mentira produzisse a maior felicidade para o maior número. Eu ficaria sem dúvida ofendido se alguém me matasse, ainda que a minha morte pudesse produzir a maior felicidade para o maior número (usando os meus rins para salvar a vida de duas pessoas, o meu coração para salvar uma terceira, etc.). Assim, o que há de errado ou certo em mentir ou matar não pode ser explicado, defendem os deontologistas, unicamente por causa das suas consequências. Claro que há muito desacordo entre os deontologistas sobre quais regras são verdadeiras. Também discordam sobre como se determina que regras são essas. Alguns deontologistas afirmam que a razão abstracta nos mostra como devemos agir (Kant). Outros (McNaughton) afirmam que as intuições são o nosso guia. Outros ainda falam de descobrir princípios que se justificam por um equilíbrio reflexivo (Rawls, por exemplo), ao passo que alguns defendem que devemos procurar princípios que poderiam ser adoptados por um observador ideal (Arthur).

Alternativas

Há várias alternativas a estas teorias. Chamar-lhes “alternativas” não significa que sejam inferiores, mas apenas que não têm desempenhado um papel tão significativo na formação do pensamento ético contemporâneo. Vale a pena mencionar em especial duas delas, porque se tornaram muitíssimo influentes nas últimas duas décadas.

Teoria das virtudes A teoria das virtudes não tem sido tão influente quanto a deontologia ou o consequencialismo na formação do pensamento ético moderno. Contudo, é anterior a essas duas teorias, pelo menos enquanto teoria formal. Foi a teoria dominante dos gregos antigos, alcançando a sua expressão mais clara na obra de Aristóteles, Ética a Nicómaco. Durante muitos séculos, não foi nem discutida nem advogada enquanto alternativa séria. Mas por volta dos finais da década de 1950 começou a reaparecer na bibliografia filosófica (a história deste reemergir é apresentada nos ensaios reimpressos em Crisp e Slote, 1997).

Grande parte do apelo da teoria das virtudes deriva das falhas encontradas nas alternativas canónicas. A deontologia e o consequencialismo, defendem os partidários da teoria das virtudes, dão uma ênfase desadequada (ou nenhuma) ao agente — ao que o agente deve ser, aos tipos de carácter que o agente deve desenvolver. Não dão igualmente um âmbito apropriado ao juízo pessoal e dão demasiada ênfase à ideia de seguir regras (sejam deontológicas sejam consequencialistas).

Sem dúvida que, ao ler alguns deontologistas e consequencialistas, dá ideia que eles pensam que uma decisão moral é a aplicação acéfala de uma regra moral. A regra diz “Sê honesto”; logo, devemos ser honestos. A regra diz “Age sempre de modo a promover a maior felicidade para o maior número”; logo, temos apenas de descobrir que acção tem as consequências mais desejáveis, e depois fazer isso. Assim, a ética faz lembrar a matemática. Os cálculos podem exigir paciência e cuidado, mas não depende do juízo.

Muitos partidários das teorias canónicas acham que estas objecções dos que defendem a teoria das virtudes são significativas e, ao longo das últimas duas décadas, modificaram as suas teorias para, em parte, as acomodar. O resultado, afirma Rosalind Hursthouse, é que “as linhas de demarcação entre estas três abordagens se têm diluído […] A deontologia e o utilitarismo já não se caracterizam claramente por darem ênfase às regras ou consequências por oposição ao carácter” (Hursthouse 1999: 4). As duas teorias dão maior ênfase ao juízo e ao carácter. Por exemplo, Hill, apesar de ser um deontologista, descreve a atitude apropriada relativamente ao meio ambiente de um modo que dá ênfase à excelência ou ao carácter, e Strikwerda e May, que de forma geral não aceitam a teoria das virtudes, dão ênfase à necessidade de os homens sentirem vergonha pela sua cumplicidade na violação de mulheres. Contudo, apesar de o juízo e o carácter poderem desempenhar papéis cada vez mas importantes nas versões contemporâneas da deontologia ou do consequencialismo, nenhum desempenha o papel central que desempenha na teoria das virtudes. […]

Teoria feminista Historicamente, a maior parte dos filósofos têm sido homens, homens com a perspectiva sexista das suas culturas. Assim, não é surpreendente que os interesses das mulheres, e quaisquer perspectivas que elas possam ter, não tenham desempenhado qualquer papel real no desenvolvimento das teorias éticas canónicas. A questão é: que nos diz isso sobre tais teorias? Poderemos, por exemplo, limitar-nos a tirar as partes sexistas da teoria de Aristóteles e ficar mesmo assim com uma teoria aristotélica que seja adequada para uma época menos sexista? Podemos eliminar as partes sexistas da ética de Kant e ficar com uma deontologia não sexista mas viável?

Nos primeiros anos do feminismo, muitos pensadores pareciam pensar que sim. Afirmavam que a ênfase, nas teorias éticas canónicas, na justiça, igualdade e equidade poderia dar às mulheres todas as munições de que precisavam para reivindicar o seu lugar de direito no mundo público.

Outros não estavam assim tão certos disso. Por exemplo, Carol Gilligan (1982) argumentou que as mulheres têm experiências morais diferentes e um raciocínio moral diferente, e que estas diferenças devem fazer parte de qualquer tratamento adequado da moralidade. Subsequentemente, advogou uma “ética do cuidado”, que ela pensava que exemplificava melhor a experiência e o pensamento das mulheres.

Muitas feministas posteriores aplaudiram as críticas que a ética do cuidado dirigiu às teorias éticas mais canónicas, nomeadamente por não dar atenção, ou ignorar intencionalmente, as experiências e o raciocínio das mulheres. Contudo, algumas destas feministas pensam que essas teorias mais tradicionais, especialmente se forem expandidas tendo uma atenção cuidadosa às questões relacionadas com os sexos e com o desenvolvimento das capacidades caracteristicamente humanas das pessoas, podem ir longe em direcção a uma teoria ética adequada. No mínimo, contudo, as críticas feministas forçaram os filósofos a reavaliar as suas teorias, e mesmo a repensar exactamente o que é uma teoria ética e o que se espera que alcance (Jaggar, 2000).

Hugh LaFollette
Ethics in Practice, ed. Hugh LaFollette (Londres: Blackwell, 2001)

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ISSN 1749-8457